quarta-feira, 10 de setembro de 2008

The Dark Side of Moon

Este talvez seja o mais enigmático de todos os álbuns já produzidos na história da música moderna, a partir daquilo que o mundo passou a entender como “álbum”, ou seja, uma embalagem contendo uma “bolacha” (disco de vinil) que se constituía como parte integrante do casamento de várias artes que, aqui, dividiríamos em três:

- Design de capa (foto, desenho, pintura etc.);
- Letras das músicas (poesia);
- Conteúdo (música).

A CAPA DO ÁLBUM
A partir desta compreensão, fica fácil entender o porquê deste álbum ser considerado um dos mais perfeitos.

Já no próprio título do álbum, traduzível para ‘O Lado Escuro da Lua’, já temos um suculento enigma que se irradia em mistérios e interpretações. E tal leque interpretativo é sugerido pelo próprio design do famoso prisma transpassado pelo feixe de luz branca que se decompõe no espectro de cores. A título de curiosidade, antes de o Pink Floyd se decidir pelo design da capa, eles fizeram uma viagem ao Egito e tiraram várias fotos das pirâmides. Estas comporiam originalmente a capa - haja vista os mistérios que as cercam. Até que alguém teve a idéia de ilustrar com algo não menos misterioso e fascinante: o prisma com seu espectro de cores.

Ainda sobre a capa, julgo importante publicar aqui um trecho que se encontra na análise da canção Any Color You Like:

"(...) a compreensão do título [Any Color You Like] pode ser buscada na própria capa do álbum. Antes, é conveniente fazer uma breve explicação sobre a imagem publicitária. Quem trabalha com propaganda, sabe que toda e qualquer imagem deve trazer uma “mensagem” ascendente da esquerda para a direita. É neste sentido que os ocidentais lêem; e é neste que os cinegrafistas devem procurar “passear” sua câmera. Mais: tal idéia é buscada também nos gráficos que demonstram, no sentido mais amplo, a evolução de uma empresa: linhas que tendem a “subir” da esquerda para a direita. Assim, as logomarcas ou quaisquer outras figuras que façam referência a determinado produto, tendem a trazer a idéia desta “curva ascendente” – e nunca descendente, o que sugeriria decadência.

Uma vez compreendida tal informação, se você analisar a composição plástica da imagem da capa do álbum, perceberá que ela vai na contramão dessa idéia... Assim, o prisma serve não apenas como um “divisor” entre o feixe monocromático e o espectro de cores, mas também como um divisor de estado de espírito: o primeiro (monocromático) segue na forma ascendente ao passo que o segundo (colorido) sofre uma involução num processo descendente. Ou seja: qualquer que seja a cor que você escolher [sugerido pelo título Any Color You Like], de qualquer jeito a trajetória será ‘down’. "

Nos posts que seguem (abaixo), está dissecado todo o álbum 'The Dark Side of Moon', com uma interpretação muito particular (como, por exemplo, a correlação entre a capa do álbum e as canções). Juntamente, estão todas as letras traduzidas (tradução livre).

Foi ele quem inspirou o álbum?

Impossível falar do 'The Dark Side of Moon' sem citar Syd Barrett. Para muitos, foi ele quem inspirou o álbum.

Pois o guitarrista Syd foi um dos fundadores da banda original e, juntamente com Roger Waters, era o ‘cabeça’ do grupo. Mas ele entrou fundo demais nas drogas e acabou pirando de vez. E foi substituído por David Gilmour em 1968, três anos após o nascimento da banda.
Em 2006, após uma vida reclusa, Syd Barrett morreu aos 60 anos de idade.

O significado de 'Álbum Conceitual'

É muito fácil encontrarmos a expressão álbum conceitual quando nos deparamos com textos a respeito do ‘The Dark Side of Moon’. O que significa isto?
Apesar de oportuna, a expressão ‘conceitual’ talvez não fique clara para a compreensão mais imediata quando tratamos da obra prima do Pink Floyd.

Pois o álbum do Pink Floyd é assim: traz em si uma mensagem; tem princípio, meio e fim. E cada detalhe aparentemente reles da obra deve ser encarado como algo profundo que pode alterar totalmente toda a nossa interpretação em cada releitura que fazemos. Ao longo dos posts, pela ordem, tratarei de esmiuçar o todo álbum - analisando, ponto a ponto, todas as canções. Evidente que, aqui, trata-se de uma interpretação muito particular que, aliás, foi enriquecida por pesquisas em diversos sites do gênero.

Pois o álbum é ‘simetricamente’ composto por 10 canções. Digo ‘simetricamente’ porque as mesmas obedecem tanto à cromografia proposta pela capa quanto à cronologia, ou, o ‘timer’ das canções. Para explicar isto, vamos ordenar as canções em dois blocos. Assim:

1- Speak to Me
2- Breathe
3- On the Run
4- Time / Breathe Reprise
5- The Great Gig in the Sky

6- Money
7- Us and Them
8- Any Colour You Like
9- Brain Damage
10- Eclipse

Da primeira canção, Speak to Me, até a quinta, The Great Gig in The Sky, temos o tempo corrido de aproximadamente 20 minutos. E da sexta canção, Money, até o final da última, Eclipse, temos 23 minutos. No antigo LP (long play de vinil, o popular "bolachão"), tal divisão era mais nítida. Pois as duas metades já vinham bem definidas em cada lado do álbum: A e B. Seria razoável, pois, supor que tenhamos duas metades, ou, fases que assim podem ser compreendidas:

1-Fase monocromática: o mundo idealista desde o nascimento da pessoa até o fim da adolescência.
2-Fase colorida: o mundo materialista da fase adulta até a morte.


Também, seria razoável interpretar a divisão a partir da visão psicodélica da coisa. Desta forma:

1- Fase monocromática: o mundo inocente desde o nascimento da pessoa até o fim da adolescência
2- Fase colorida: o mundo psicodélico da fase adulta até a morte.

O sentido de "O Lado Escuro da Lua"

A ciência nos ensina que a lua tem um lado que nunca é visto da Terra. É por isto que chamam de “Lado Escuro”. Por seu fator enigmático, criaram-se várias lendas em torno do “lado escuro”: discos voadores, seres estranhos etc. O astronauta norte-americano James Lovell, após conhecer o “lado escuro” da lua, teria afirmado: “Papai Noel existe”. Tal frase foi tomada pela crendice popular como metáfora para algo misterioso que Lovell teria avistado – já que “Papai Noel” era um código usado entre os astronautas e a NASA para fazer referência à visão de um possível OVNI. Mas a frase foi dita justamente no Natal de 1968, o que levou os mais céticos a acreditarem que tudo não passou de uma brincadeira do astronauta.
Falando em crendice, ou, coincidência, o fato é que Syd Barrett pirou de vez e saiu definitivamente do Pink Floyd em 1968 – justamente no ano em que a lenda em torno do “lado escuro da lua” se tornara evidenciada pela declaração de um astronauta. Em 1973 o Pink Floyd criaria o “The Dark Side of Moon”, cujo propósito era também homenagear Barrett. O “Lado Escuro da Lua” seria, no fundo, uma metáfora para o “lado escuro” de todo ser humano, ou seja, aquela faceta que carregamos dentro de nós e que nunca é visto pelas outras pessoas.

The Dark Side of the Moon & O Mágico de Oz

As coincidências entre o álbum ‘The Dark Side of Moon’ e o filme ‘O Mágico de Oz’ não se restringem à simples exposição do casamento do som com a imagem. Já ouvi muitas pessoas (que até já assistiram ao filme e curtiram o álbum) dizerem que não captaram coincidência alguma no tal casamento. Isto é compreensível. Quando me deparei pela primeira vez com a sincronia entre o álbum e o filme, captei poucas coincidências – já que havia esquecido boa parte do enredo de ‘O Mágico de Oz’, que assisti lá pelos anos oitenta. Assim, após uma paciente releitura, foi possível observar as coincidências.

E a observação principal: não basta apenas a noção do enredo do filme e a compreensão das letras do álbum ‘The Dark Side of Moon’. É necessário, antes de tudo, captar a mensagem; a leitura filosófica de ambos... Só assim fica mais nítida a perfeita "simbiose".

Bom, chega de papo e vamos direto ao que interessa: clique AQUI e boa viagem!

'The Dark Side of the Moon' – Uma análise geral

Conforme já foi dito, o álbum dito ‘conceitual’ obedece a todo um enredo embebido por um preceito filosófico. E tal enredo é exatamente o traçado de uma vida humana – desde o seu nascimento (com ‘Speak to Me’/ ‘Breathe’) até a morte (‘Eclipse’). Também foi mencionado o fato de o álbum ter sido inspirado em Syd Barrett – mais notadamente em ‘Brain Damage’. Mas há também uma pincelada biográfica de Roger Waters, principalmente na canção ‘Us and Them’ (“Nós e Eles”). Mas no seu ‘todo’, o álbum encaixa-se na vida das pessoas comuns. Até porque, como proclama o próprio trecho de ‘Us and Them’: “And after all we're only ordinary men” (“E apesar de tudo somos todos pessoas comuns”).

Quem já teve a oportunidade de analisar aquilo que era chamado ‘long play’ (o disco de vinil, ou, o popular “bolachão”), sabe que cada lado traz mais "claramente" a divisão: no lado A, temos a fase monocromática; e no lado B, a fase colorida. Na chamada “Era do CD”, por motivos óbvios, tal divisão perdeu o sentido...

Para melhor compreensão, vamos partir para cada título do álbum. Lembre-se que, também conforme foi dito, as letras se dividem em dois blocos, ou, fases:
1- Fase monocromática (espiritual, “ingênua”, subjetiva);
2- Fase colorida (materialista – ou psicodélica – realista, objetiva).

Vamos partir então para os títulos do álbum...
LETRAS, TRADUÇÕES e ANÁLISE
(Clique sobre cada título)

Fase monocromática

1- Speak to Me (“Fale para mim”) – Fase uterina até o nascimento;

2- Breathe (“Respire”) – Nascimento; os primeiros passos;

3- On The Run (“Em Fuga”) – Os perigos que espreitam;

4- Time (“Tempo”) – O momento de ir à luta;

5- Breathe / Reprise – As amarras (familiar, sentimental etc) que ainda prendem;

6- The Great Gig in The Sky (“O Grande Espetáculo no Céu”) – O contato com o místico (em contraponto ao medo da morte).

Fase colorida

7- Money (“Dinheiro”) – A queda aos encantos do mundo real – e materialista;

8- Us and Them (“Nós e Eles”) – O contato com as mazelas humanas; as indiferenças; a guerra;

9- Any Colour You Like (“Qualquer cor que você queira”) – O livre arbítrio de escolher o caminho;

10- Brain Damage (“Dano Cerebral”) – A loucura;

11- Eclipse – Todas os experimentos da vida – até a morte.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Eclipse

Eclipse
(Composição: Waters)

All that you touch
And all that you see
All that you taste
All you feel
And all that you love
And all that you hate
All you distrust
All you save
And all that you give
And all that you deal
And all that you buy
beg, borrow or steal
And all you create
And all you destroy
And all that you do
And all that you say
And all that you eat
And everyone you meet
And all that you slight
And everyone you fight
And all that is now
And all that is gone
And all that's to come
and everything under the sun is in tune
but the sun is eclipsed by the moon.

[There is no dark side of the moon really. Matter of fact it’s all dark.]

Tradução

Eclipse

Tudo que você toca
Tudo que você vê
Tudo que você experimenta
Tudo que você sente
Tudo que você ama
Tudo que você odeia
Tudo que você desconfia
Tudo que você salva
Tudo que você doa
Tudo que você negocia
Tudo que você compra
mendiga, empresta ou rouba
E tudo que você cria
E tudo que você destrói
E tudo que você faz
E tudo que você diz
E tudo que você come
E todos que você conhece
E tudo que você despreza
E com todos que você briga
E tudo que é agora
E tudo que já passou

E tudo que virá
E tudo está alinhado com o Sol
Mas o Sol está eclipsado pela lua

[Na realidade não existe o lado escuro da lua; no fundo, é tudo escuro]

Análise

Para melhor analisar esta canção, torna-se conveniente virá-la de ponta-cabeça, ou seja, iniciar pelo final da letra – no qual está a chave para sua compreensão: “E tudo está afinado sob o sol / Mas o sol está eclipsado pela lua”. E no final ainda encontramos a “voz de fundo” com a frase-chave de autoria do porteiro Jerry Driscoll, do estúdio Abbey Road: “Na realidade não existe lado escuro da lua; na verdade é tudo escuro”.

Neste raciocínio, presume-se que “o sol eclipsado pela lua” é o eclipse solar – raríssima ocasião em que o sol, a lua e a Terra estão alinhados, nesta ordem. Se é verdade que apenas alguns pontos da Terra são “contemplados” com o eclipse total, o importante é levarmos em consideração a metáfora do cenário. E o que enxergamos neste cenário? Ora, quando se encontram alinhados, a lua, a despeito de se tornar negra na frente do sol, deixa a Terra igualmente na penumbra. Encerramos, pois, com o eclipse total concomitante com os batimentos cardíacos que vão paulatinamente baixando de intensidade até a morte.

Uma vez compreendido o sentido do ‘Eclipse’, iniciamos por focar a letra – na qual Waters elencou todos os sentimentos humanos... E ante tais sentimentos expressos, torna-se inevitável fazer uma analogia com aquele “filme da vida em um segundo” que, dizem, acontece no último segundo da vida de uma pessoa. Analogamente, a letra não passa de uma retrospectiva de tudo que vimos ao longo do álbum: desde os primeiros sentimentos ‘palpáveis’ de uma vida jovem, em 'Breathe' (tocar, enxergar; experimentar, amar); passando pela noção de tempo tocada em 'Time' (o que é agora; o que passou; o que virá) e pela fase mercenária em ‘Money’ (mendigar, negociar, comprar) e chegando à violência implícita em ‘Us and Them’ (brigar, destruir)...

Conforme as análises anteriores (Breathe e Time), o sol aparecia como ‘entidade’ positiva e a lua como entidade negativa... No primeiro caso (em ‘Breathe’), vimos o “aconselhamento” para o coelho cavar sua toca e esquecer o sol; depois, em ‘Time’, vimos a pessoa correndo para tentar alcançar o sol quando este já estava se pondo... Afinal, a letra já tinha alertado: “você perdeu o tiro de partida”, ou, “você já foi tarde”. O sol nasceria de novo atrás da pessoa, que teria nova chance de alcançá-lo – porém a pessoa estaria mais velha e sem fôlego para tentar o feito...

E eis que, em ‘Eclipse’, encontramos a confirmação desta “tese” (o sol como parte positiva e a lua como parte negativa) – mas numa conclusão muito mais cruel esboçada nos dois últimos versos: se é verdade que tudo na vida está alinhado com o sol (todas as atitudes do homem; o presente, o passado e o futuro), então temos que imaginar que estamos diante de um metafórico eclipse solar – em que a lua interpõe-se entre o Sol e a Terra, quando temos a escuridão total...
Veja a sutileza de Waters em sua ácida crítica ao establishment que já fora detectada em ‘Breathe (em que a entrega à maré é a forma mais rápida de morrer espiritualmente): o perfeito alinhamento entre o sol, a lua e a Terra simboliza todo o nosso universo humano alinhado com o “estado das coisas”. Mas é o tal alinhamento que traz o eclipse, ou seja, que determina a escuridão total. Desta forma, podemos compreender a frase final:
“Na realidade não existe o lado escuro da lua; no fundo, é tudo escuro”.