sábado, 27 de março de 2010

A campanha contra o papa

 No dia seguinte à escolha de Joseph Ratzinger como sucessor de Karol Wojtyla, publiquei um artigo cujo escopo era uma crítica ao conservadorismo da Igreja Católica na figura do novo papa. Pois a preocupação centrava-se na posição da Igreja Católica sempre contrária a temas sensíveis como, por exemplo, os métodos contraceptivos e o aborto em casos específicos respaldados pela justiça. Hoje, o artigo está disponível no site do Ministério da Saúde. Bom, este parágrafo inicial é para dizer que sou insuspeito para (se alguém assim imaginar) defender Joseph Ratzinger. Pois o propósito verdadeiro é refutar o mau jornalismo.

 O último noticiário sobre o suposto “acobertamento de pedofilia” por parte de Joseph Ratzinger é mais uma daquelas reportagens (factóides) criadas em cima de leituras enviesadas de documentos verdadeiros. Ou seja: uma vez definido o lide da notícia, saem à cata de quaisquer fatos que, no fim das contas, servem para preencher o molde que dará forma ao monstro. Saliente-se que não estou me referindo ao “conjunto da obra” dos acobertamentos de pedofilia dentro da Igreja. Vale repetir: refiro-me ao último noticiário.

Não vem ao caso esmiuçar, aqui, os reais motivos que puseram a mídia mundial contra Joseph Ratzinger. O fato é que a reportagem do The New York Times é típica daquelas que já deveriam ter nascido mortas – haja vista a falta de nexo de uma história que, por fim, acaba até desviando o foco dos vários outros casos vivos de pedofilia dentro da Igreja que merecem ser apurados e denunciados. Mas não: no momento, o jornalismo precisa centrar fogo na pessoa de Joseph Ratzinger. Pois, para o jornalismo de resultados, nada interessa senão a espetacularização, a qualquer custo, de um escândalo envolvendo uma pessoa célebre, ainda mais sendo o papa. Ora, se há uma denúncia grave a ser feita, que esta seja alicerçada em argumentos sólidos que venham a sustentar de forma coerente o enredo da notícia. E o que estamos assistindo?

Para clarear a coisa, vamos tentar sintetizar a denúncia...

Jospeh Ratzinger, na condição de cardeal na década de noventa, teria recebido cartas alertando sobre os abusos sexuais praticados pelo padre Lawrence Murphy. E as cartas pediam que a Igreja Católica tomasse, segundo a reportagem, “providências para restaurar a confiança da comunidade”. E vem a acusação: na época, Ratzinger, que respondia pelo destino dos padres, “nunca teria respondido as cartas”. Já aqui, se o propósito é acusar alguma falha de Ratzinger, encontramos um paradoxo: se o teor das cartas era para acusar o problema para que, enfim, fossem tomadas providências para a “restauração a confiança da comunidade” (leia-se “remediar a imagem da Igreja”), então qual o crime em não respondê-las? Ou melhor: o que responder se (segundo documentos levantados pela reportagem) as providências já teriam sido tomadas pela própria Igreja local e pela justiça norte-americana após as denúncias chegarem à polícia?  Mas o pior não é isto.

O que segue na reportagem é o próprio desmonte do escândalo em cima de Ratzinger – mas que, haja vista o cunho demolidor da notícia (“Papa Acoberta Pedofilia”), acaba ficando estéril ao leitor menos atento. Lembre-se que “acobertar”, no caso, traz o sentido não apenas de “proteger”, mas também de “patrocinar”; “dar condições”; “ser conivente”... Você pode não simpatizar com o papa, mas de jeito algum parece plausível que isto tenha acontecido. Ao menos neste caso.

Pois a reportagem diz que os abusos do padre Murphy foram cometidos há mais de 35 anos. Ou seja: o assunto só teria chegado ao conhecimento do então cardeal Ratzinger vinte anos depois dos crimes praticados pelo padre pedófilo, quando o mesmo já se encontrava recluso, velho e doente. Ainda, quando Ratzinger recebeu as cartas, Murphy já tinha sido oficialmente suspenso de suas funções e já respondia  a um processo aberto pela Diocese de Wisconsin e também pela justiça comum que, diga-se de passagem, não deu andamento ao caso. Murphy então, muito adoentado, teria escrito para Ratzinger dizendo-se arrependido pelo que fez e pedindo o fim do processo. O processo então (dentro da Igreja) foi arquivado e pouco tempo depois Murphy veio a falecer.

Em resposta à reportagem do NYT, religiosos católicos do mundo inteiro têm sido uníssonos em abominar a pedofilia dentro da Igreja da mesma forma com que condenam o que chamam de "campanha" contra o papa.

(Publicado originalmente no Portal Nassif em 27 de março de 2010)