sexta-feira, 21 de maio de 2010

O dia em que Francisco Gros peitou Lula

Com o falecimento de Francisco Gros, julgo oportuno lembrar um episódio ocorrido em pleno calor da campanha eleitoral de 2002. Pois naquele ano veio à tona a discussão da construção das plataformas da Petrobrás na Ásia.

Na época, Lula criticou muito tal política de importar as plataformas, quando estas poderiam ser feitas no Brasil para gerar empregos e fomentar, ou melhor, ressuscitar a indústria nacional no setor.  O então presidente da Petrobrás Francisco Gros, falando pelo governo, rebateu Lula dizendo que era muito mais vantajoso para o Brasil a construção das plataformas fora do país. Disse ainda que o Brasil não tinha condições técnicas para disputar a licitação. Sem falar do alto custo... Uma reportagem da revista ‘Isto É’ (vide link ao final) sob o sugestivo título “Bate-boca em alto-mar” retratou bem o episódio.

 Eis um trecho da reportagem bem esclarecedor:

 As duas outras plataformas, a P-51 e P-52, ainda não foram alvo de licitações. Pronto, por enquanto, existe apenas o projeto de engenharia básica feito pelo Centro de Pesquisas da Petrobras, com detalhamento técnico da empresa norueguesa Aker Kvaerner. "O processo de licitação ainda não começou nem será restrito a empresas estrangeiras e, sim, a todas que tiverem recursos tecnológicos", afirma Gros. "São plataformas especializadas, só existem cinco delas no mundo e nunca foi construído no Brasil esse tipo de plataforma", comenta o presidente da Petrobras, deixando claro que dificilmente um estaleiro brasileiro teria condições de disputar a licitação.

 Claro: ao final do governo Fernando Henrique Cardoso, os estaleiros estavam quase todos quebrados e a Petrobrás vivia o pior momento da sua história, com sucessivos desastres que causaram muitos prejuízos principalmente no que tange aos danos ambientais. Pois que a febre da terceirização tão apreciada pela política neoliberal atingiu em cheio não só as indústrias nacionais, mas também o próprio corpo operacional da Petrobrás, com a contratação de funcionários terceirizados em setores que exigiam alta capacitação técnica. Por isto os sucessivos desastres, como o afundamento da plataforma P-36 causado, segundo a ANP, por erros de projeto e manutenção. Assim, ainda que não fosse esta a intenção, soou como galhofa a alegação de Gros de que os processos licitatórios “não eram restritos às empresas estrangeiras”, mas ressalvando que dificilmente um estaleiro brasileiro teria condições sequer de disputar uma licitação. 

Do horário eleitoral de 2002, lembro da insistência de Lula no assunto. Sobre o “alto custo” e a “inviabilidade técnica” que o governo de FHC alegou para justificar a importação das plataformas, Lula respondeu que nada era mais caro do que o desemprego dentro do país. Ou seja: ainda que fosse muito mais caro construir as plataformas dentro do Brasil, os empregos gerados dentro do país – inclusive com investimentos em pesquisas – já valeria a pena. E prometeu construir as plataformas dentro do Brasil.

Enfim, a realidade está aí: a Petrobrás, ano a ano, está alçando no ranking das maiores empresas do mundo ao passo que a indústria naval brasileira, ressuscitada, vive um momento de pujança.

Link para a reportagem da “Isto É”:

http://www.istoe.com.br/reportagens/23676_BATE+BOCA+EM+ALTO+MAR

(Publicado no Portal Nassif em 21 de maio de 2010)