sábado, 27 de março de 2010

A campanha contra o papa

 No dia seguinte à escolha de Joseph Ratzinger como sucessor de Karol Wojtyla, publiquei um artigo cujo escopo era uma crítica ao conservadorismo da Igreja Católica na figura do novo papa. Pois a preocupação centrava-se na posição da Igreja Católica sempre contrária a temas sensíveis como, por exemplo, os métodos contraceptivos e o aborto em casos específicos respaldados pela justiça. Hoje, o artigo está disponível no site do Ministério da Saúde. Bom, este parágrafo inicial é para dizer que sou insuspeito para (se alguém assim imaginar) defender Joseph Ratzinger. Pois o propósito verdadeiro é refutar o mau jornalismo.

 O último noticiário sobre o suposto “acobertamento de pedofilia” por parte de Joseph Ratzinger é mais uma daquelas reportagens (factóides) criadas em cima de leituras enviesadas de documentos verdadeiros. Ou seja: uma vez definido o lide da notícia, saem à cata de quaisquer fatos que, no fim das contas, servem para preencher o molde que dará forma ao monstro. Saliente-se que não estou me referindo ao “conjunto da obra” dos acobertamentos de pedofilia dentro da Igreja. Vale repetir: refiro-me ao último noticiário.

Não vem ao caso esmiuçar, aqui, os reais motivos que puseram a mídia mundial contra Joseph Ratzinger. O fato é que a reportagem do The New York Times é típica daquelas que já deveriam ter nascido mortas – haja vista a falta de nexo de uma história que, por fim, acaba até desviando o foco dos vários outros casos vivos de pedofilia dentro da Igreja que merecem ser apurados e denunciados. Mas não: no momento, o jornalismo precisa centrar fogo na pessoa de Joseph Ratzinger. Pois, para o jornalismo de resultados, nada interessa senão a espetacularização, a qualquer custo, de um escândalo envolvendo uma pessoa célebre, ainda mais sendo o papa. Ora, se há uma denúncia grave a ser feita, que esta seja alicerçada em argumentos sólidos que venham a sustentar de forma coerente o enredo da notícia. E o que estamos assistindo?

Para clarear a coisa, vamos tentar sintetizar a denúncia...

Jospeh Ratzinger, na condição de cardeal na década de noventa, teria recebido cartas alertando sobre os abusos sexuais praticados pelo padre Lawrence Murphy. E as cartas pediam que a Igreja Católica tomasse, segundo a reportagem, “providências para restaurar a confiança da comunidade”. E vem a acusação: na época, Ratzinger, que respondia pelo destino dos padres, “nunca teria respondido as cartas”. Já aqui, se o propósito é acusar alguma falha de Ratzinger, encontramos um paradoxo: se o teor das cartas era para acusar o problema para que, enfim, fossem tomadas providências para a “restauração a confiança da comunidade” (leia-se “remediar a imagem da Igreja”), então qual o crime em não respondê-las? Ou melhor: o que responder se (segundo documentos levantados pela reportagem) as providências já teriam sido tomadas pela própria Igreja local e pela justiça norte-americana após as denúncias chegarem à polícia?  Mas o pior não é isto.

O que segue na reportagem é o próprio desmonte do escândalo em cima de Ratzinger – mas que, haja vista o cunho demolidor da notícia (“Papa Acoberta Pedofilia”), acaba ficando estéril ao leitor menos atento. Lembre-se que “acobertar”, no caso, traz o sentido não apenas de “proteger”, mas também de “patrocinar”; “dar condições”; “ser conivente”... Você pode não simpatizar com o papa, mas de jeito algum parece plausível que isto tenha acontecido. Ao menos neste caso.

Pois a reportagem diz que os abusos do padre Murphy foram cometidos há mais de 35 anos. Ou seja: o assunto só teria chegado ao conhecimento do então cardeal Ratzinger vinte anos depois dos crimes praticados pelo padre pedófilo, quando o mesmo já se encontrava recluso, velho e doente. Ainda, quando Ratzinger recebeu as cartas, Murphy já tinha sido oficialmente suspenso de suas funções e já respondia  a um processo aberto pela Diocese de Wisconsin e também pela justiça comum que, diga-se de passagem, não deu andamento ao caso. Murphy então, muito adoentado, teria escrito para Ratzinger dizendo-se arrependido pelo que fez e pedindo o fim do processo. O processo então (dentro da Igreja) foi arquivado e pouco tempo depois Murphy veio a falecer.

Em resposta à reportagem do NYT, religiosos católicos do mundo inteiro têm sido uníssonos em abominar a pedofilia dentro da Igreja da mesma forma com que condenam o que chamam de "campanha" contra o papa.

(Publicado originalmente no Portal Nassif em 27 de março de 2010)

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Sobre a retirada dos vídeos do YouTube

Tenho recebido várias mensagens solicitando uma nova publicação dos vídeos 'Pink Floyd & Mágico de Oz", que foram por mim legendados.

Infelizmente, a MGM (Metro-Goldwy-Mayer) solicitou a retirada dos vídeos "Pink Floyd & Mágico de Oz" do YouTube, por entender que os direitos autorais estavam sendo violados. Particularmente, acho um equívoco da gravadora - já que muitas pessoas se interessaram em assistir ao filme na íntegra depois que os vídeos foram divulgados. Enfim, este é um direito da gravadora que não cabe discutir.

Mas foi uma pena... Pois, modéstia à parte, os meus vídeos (entre tantos disponíveis) se tornaram os mais populares (do gênero, claro) do YouTube exatamente por mostrar nas legendas não só todas as coincidências, mas também o de narrar ao espectador o que estava acontecendo no enredo do filme (providência fundamental para a perfeita compreensão da sincronia).

Alguém (que não conheço) publicou os vídeos novamente no Youtube em 5 partes. E a MGM, ao que parece, solicitou a retirada dos vídeos - mas apenas a Parte 5 foi deletada. Tenho recebido inúmeros pedidos por e-mail (exibido na legenda da Parte 1) para que eu publique a Parte 5. Obviamente não tenho como atender, já que não sou dono do tal canal do Youtube.

Eis o link para o meu canal:
http://www.youtube.com/user/mikesaba5


terça-feira, 22 de setembro de 2009

A crise de 2008/2009 para o leigo entender

 Passado um ano do início de uma das mais graves crises financeiras da história, julgo interessante uma explicação singela acerca do que realmente aconteceu.

E para que se compreenda a crise de forma clara, elaborei este texto que, na verdade, foi inspirado (e compilado) em algumas explicações que circularam na internet no mesmo caráter metafórico – mas que destrincham a crise de forma bem didática para os leigos entenderem. E aqui repasso para quem tiver paciência em ler.

Antes de começar, vale lembrar que a crise financeira mundial é um somatório de fatores que vêm de muito tempo atrás. Mas só explodiu recentemente em dois fatos notáveis:

- Agosto de 2007 (explosão da crise imobiliária norte-americana);

- Setembro de 2008 (quebra do Lehman Brothers, banco de investimentos norte-americano).

E por que tais datas são importantes? Por que a crise explodiu?

A historinha então, sugestivamente dividida em dois capítulos com personagens e instituições fictícias, é comprida, mas dá uma boa dimensão para se compreender a crise como um todo: origem, profundidade e desdobramento.

A crise para os leigos

Cap.1 - A bolha imobiliária

John, cidadão da classe média americana, comprou uma casa no começo de 1996 por 300.000 dólares financiados em 30 anos pelo Strong Bank.

Em 2001, para amenizar o desarranjo econômico potencializado pelos ataques terroristas de 11 de setembro, o Banco Central americano baixou muito os juros para incentivar o consumo e assim tentar aquecer a economia. A medida funcionou bem principalmente para cidadãos iguais a John que sonhavam com uma casa própria.

Tendo a casa de John como garantia (em tese 300 mil no ativo), o Strong Bank passou a conceder outros empréstimos. Em cada novo empréstimo concedido, mais casas eram hipotecadas ao banco... E quanto mais casas eram hipotecadas, mais gordo o banco ia ficando.

Com a bolha imobiliária, em 2006 a casa de John já estava valendo 1 milhão de dólares. Daí John viu que este era um excelente negócio. E como os imóveis só valorizavam, o banco julgou que era negócio emprestar dinheiro (para compra de imóvel) inclusive para aqueles que tinham “ficha suja” no comércio. Ou seja: se o imóvel entra como garantia no empréstimo, qual é o risco do banco negociar com um consumidor não-confiável? A este tipo de empréstimo para mutuário duvidoso, chamaram de “subprime”.

Ainda faltavam 20 anos para John quitar sua casa, mas o Strong Bank ofereceu um outro empréstimo para John comprar um apartamento no valor de 800 mil dólares. John e a esposa Sandy tinham bons empregos e os dois filhos estudando em boa universidade particular. As perspectivas eram muito boas: comprariam o segundo imóvel, que colocariam para alugar. Uma renda extra é sempre bem-vinda.

Com o mercado imobiliário “bombando”, os imóveis valorizando, mais gente comprando e mais gente contraindo dívida que o banco enxergava como ativo, o Strong Bank (inflado como nunca) abriu um fundo de investimento chamado Easy Money (E.M). Quem aplicasse no fundo E.M. teria participação na engorda que o banco estava obtendo com pessoas espertas iguais a John. Assim, desde pessoas comuns até empresas, inclusive bancos, começaram a aplicar no fundo que estava rendendo muito mais que a poupança. Afinal de contas, os juros estavam muito baixos. Com os juros baixos, a poupança rendia pouco. Como o E.M. era um investimento de risco, pagavam-se juros bem maiores. Mas tratava-se do Easy Money do renomado Strong Bank. Poupança era coisa de burro ou medroso.

Com crédito farto e o dinheiro emprestado do banco, John e Sandy compravam tudo o que viam pela frente. Por intermédio de amigos, ficaram sabendo de outros excelentes negócios imobiliários. E resolveram comprar uma casa em construção num condomínio de luxo. Fizeram nova hipoteca e obtiveram fácil um empréstimo. Com mais grana na conta (e felizes com a perspectiva do futuro) compraram à prestação carros importados para toda a família. Mais: TV de plasma, computadores, roupas de griffe, viagens paradisíacas, cirurgias plásticas, produtos importados... O cartão de crédito era uma festa! Enquanto isso, o resto do mundo, que vendia para os EUA, locupletava-se com a vitalidade da economia americana.

Enquanto John ria à toa, a construção civil, a mola-mestra da economia, começou a nadar de braçada. Estava criado o chamado ciclo virtuoso: muita oferta de trabalho; trabalhadores ganhando dinheiro; os bancos emprestando dinheiro; trabalhadores gastando dinheiro; o comércio lucrando; as indústrias a todo vapor; mais empregos; muitos “johns” investindo em imóveis; muita procura por imóveis (e, por conseguinte, valorização do preço dos imóveis); mais imóveis sendo construídos; muita oferta de trabalho...

Daí o Banco Central americano percebeu que, com o consumo cada vez maior, os preços começaram a subir bem como os imóveis. E para inibir o consumo e assim conter a ameaça da inflação, o Banco Central começou a subir a taxa de juros.

Daí, John começou a perceber que as prestações que estava pagando, que eram pós-fixadas, começaram a subir no compasso da alta dos juros. Até que começou a se enrolar com as dívidas. John conseguiu refinanciar sua casa, mas não conseguia mais pagar aquele apartamento de 800 mil que tinha financiado e tampouco a casa no condomínio de luxo. O Strong Bank tomou, por inadimplência, os dois imóveis de John e colocou-os a venda.

Surgiu outro problema: Fred, que era funcionário da imobiliária do Strong Bank, foi escalado para colocar a placa “vende-se” no apartamento de John. E quando Fred chegou ao prédio, viu que o imóvel de John era vizinho ao que ele também, Fred, estava financiando no valor de 900 mil. Pior: Fred notou que havia outros apartamentos com as mesmas placas. E não era só ali, mas em todos os cantos da cidade. Fred contou isto para o gerente, que concluiu: todo mundo pensou igual a John.

Foi aí que, em agosto de 2007, explodiu a crise imobiliária. E o que foi esta explosão?

Tal explosão foi o contraponto da euforia anterior explicada pela lei da oferta e da procura. Ou seja: com milhares de “Johns” procurando imóveis para investir, o mercado foi sendo inflacionado com absurda valorização. A procura era tanta que a construção civil, na “velocidade máxima”, mal conseguia acompanhar a febre do consumo. É também este fator que, fora a especulação imobiliária, inflacionava o setor. Em suma: os imóveis valorizavam na medida em que muito mais imóveis eram construídos.

Quando todo mundo “acordou” do sonho bom, começou o pesadelo. Mais e mais imóveis dos “Johns” começaram a ser colocados à venda; e na medida em que isto acontecia, o preço caía. Quem vai querer investir num produto cujo preço cai todo dia? Assim, ninguém queria mais investir em imóveis, que perderam a liquidez.

O dinheiro que John juntou durante a vida toda se transformou num único imóvel (em que morava a família) e em várias dívidas. Depois de vender três carros da família e cancelar os planos de saúde, John passou a atrasar as mensalidades dos filhos na universidade.

Cap. 2 - Um ano depois, a quebra do banco

O problema foi se arrastando até que, em Agosto de 2008, Patrick, o dono da universidade onde estudavam os filhos de John (e muitos outros “Johns”), ante a inadimplência dos estudantes, ficou apertado e precisava de dinheiro para pagar as despesas, como os salários dos professores. E foi ao Strong Bank sacar 30 mil dólares que mantinha nos fundos E.M. Mas quando chegou lá, viu que o seu dinheiro tinha virado pó. Por que? Porque, lembre-se, a garantia dos fundos E.M. eram os imóveis hipotecados ao banco, que se desvalorizaram e perderam a liquidez. Alarmados, quase todos os investidores correram para sacar o que tinham investido... E o banco quebrou.

Desesperado, Patrick então correu ao Trust Bank, onde era cliente, para pegar um empréstimo. Quando chegou lá, viu que o Trust Bank também estava em maus lençóis... É que o banco também investiu muito dinheiro no E.M. do Strong Bank. O gerente do Trust Bank informou a Patrick que, embora ele fosse um ótimo cliente, o banco não poderia emprestar o dinheiro – haja vista que, ante a quebradeira geral, ninguém confiava mais em ninguém. Patrick então ofereceu um imóvel como garantia, mas o gerente, constrangido, informou: nessa altura do campeonato, quem é louco de pegar um imóvel como garantia?

O professor Jimmy, que dava aulas na universidade de Patrick, ficou sem receber o seu salário. Jimmy tinha família para sustentar e tinha várias obrigações a serem pagas. Assim, nenhum banco queria emprestar e ninguém tinha mais dinheiro para gastar.

O problema é que bancos europeus e asiáticos também entraram na farra do Easy Money. Muitas indústrias espalhadas pelo mundo também entraram no jogo. Ou seja: chegou-se num ponto em que os empresários achavam que era muito mais negócio arriscar um investimento no E.M., cujo lucro era mais rápido e fácil do que o investimento na própria produção.

Imagine-se então, só para dar um exemplo, as montadoras de automóveis (daqueles carros que John comprou): a indústria automobilística, que também investiu no E.M., perdeu em vários flancos: nas reservas que viraram pó; na quebradeira das concessionárias onde os “Johns” compraram seus carros e na óbvia falta de compradores. E, claro: os milhares de carros usados que os “Johns” venderam para tentar quitar as dívidas inundaram o mercado e fizeram os preços despencarem...

Endividadas, sem reservas, sem compradores e sem lucros, como poderiam as indústrias sobreviver? Resultado: demissão dos funcionários. Estes funcionários então viraram desempregados que pararam de consumir, o que piorou ainda mais a situação.

Ao contrário do chamado “ciclo virtuoso” explicado acima, entrou-se no do “ciclo vicioso”: trabalhadores demitidos; os bancos negando empréstimos; trabalhadores sem dinheiro para gastar; o comércio sem vender; as indústrias quebrando; mais desemprego; os imóveis encalhados e sem liquidez; a construção civil parada...

Enfim, foi disseminado um sentimento generalizado entre os consumidores: a palavra “crise”, que fez todo mundo (mesmo quem tinha renda) segurar o dinheiro em vez de gastar. Tal sentimento coletivo fez surgir uma palavra ainda pior do que a “crise”: recessão. Na “hierarquia” econômica, pior do que a recessão só a depressão, como a de 1929. E a “depressão” no âmbito econômico não está longe daquela mais conhecida no campo da psicologia. Sim: na economia também reside um forte fator psicológico – seja na euforia ou seja na crise.

Neste contexto, para tentar melhorar o “clima econômico”, os governos começaram a criar mecanismos para que os créditos bancários voltassem a funcionar. E o remédio imediato foi a injeção de muito dinheiro nas instituições financeiras para que os bancos voltassem a emprestar dinheiro principalmente para as indústrias em dificuldades.

(Publicado originalmente no Portal Nassif em 22 de setembro de 2009.)

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Antes de julgar Nelsinho Piquet, leia isto.

Virou moda a crucificação do Nelsinho Piquet. E desconfio que parte dos petardos que o jovem piloto tem recebido seja herança da convivência nada pacífica que seu pai teve com a imprensa em geral na sua época de piloto - ao contrário de Senna, um craque inclusive na promoção da sua imagem. Mas esta é uma outra história que não vem ao caso.

Concordo com quem está indignado tanto com o chefe da equipe Renault quanto com a atitude de Nelsinho Piquet, que confessou que bateu seu carro de propósito para paralizar a corrida e favorecer seu companheiro de equipe. Não quero, aqui, defender ou justificar a atitude (errada) de Nelsinho. Mas antes de algumas pessoas aparecerem aqui para atacar o piloto brasileiro, é bom que se diga que sua burrada não é sequer inédita ou mais grave do que já rolou na história do automobilismo. Nem mesmo a confissão de que o ato foi deliberado é novidade...

Não sei se alguns comentaristas de plantão têm memória curta ou se simplesmente desconhecem a história não muito remota da F1. Ou então cometem aquela velha mania do "moralismo seletivo" tão comum na nossa imprensa, ou seja, de deixar patente que os erros dos seus desafetos são piores que os erros dos seus protegidos.

Quer ver só?

No último GP (Japão) de 1989, o francês Alain Prost (McLaren) liderava o campeonato e só poderia ser alcançado por pontos por Ayrton Senna (também McLaren). Obviamente, se ambos saíssem da corrida, o líder do campeonato seria o campeão. Mas eis que, quase ao final da corrida, Senna tentou a ultrapassagem em cima do Prost, que deliberadamente "fechou a porta" para provocar um acidente. Prost saiu da corrida e Senna, após ser empurrado pelos fiscais, continuou; parou no box para trocar o aerofólio e acabou vencendo a corrida. Venceu, mas não levou. Porque por conta de uma "patriotada" do presidente da FIA na época (o francês Jean-Marie Balestre), Senna foi desclassificado por ter recebido "ajuda externa" dos fiscais e por ter "cortado caminho" numa ultrapassagem. Resultado: Prost foi campeão. Confira no link abaixo:

No ano seguinte, 1990, no mesmo GP do Japão, a situação no campeonato era inversa: Senna (McLaren) liderava o campeonato e só poderia ser alcançado por Prost (já na Ferrari). E Senna revidou a deslealdade bem na largada. Ambos saíram da pista e Senna sagrou-se campeão. Eis o link:

A melhor resposta para quem duvida que a manobra de Senna tenha sido deliberada está no próprio site "Globoesporte" (Globo):

"Depois do acidente, Prost reclamou muito da manobra, mas de nada adiantou. Mais tarde, Senna confessaria numa entrevista coletiva que bateu deliberadamente, como forma de vingança ao que lhe acontecera em 1989."

Confira no link:

Ante os fatos expostos, se tivéssemos que pôr na balança as gravidades dos pecados cometidos, seria conveniente raciocinar:

- Tanto Senna quanto Prost agiram por contra própria; cometeram uma deslealdade que pôs em risco a própria vida e a do adversário; cada qual agiu de modo a favorecer a si mesmo, "só" com a vitória no campeonato mundial; a deslealdade afetou diretamente o resultado do campeonato.

- Nelsinho Piquet agiu a mando do dono da equipe; cometeu uma delealdade que pôs em risco sua própria vida; agiu de modo a favorecer seu companheiro de equipe e com todo um prejuízo pessoal; ao que tudo indica, a delealdade pouco (ou nada) vai afetar o resultado do campeonato.

(Post originalmente publicado no Portal Nassif em 15 de setembro de 2009. 

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Andam confundindo pandemia com pandemônio

Passado o princípio de pânico ante a pandemia da chamada “gripe suína”, o quadro que temos hoje é bem mais tranquilizador do que o alarmismo advindo dos primeiros casos no México. Pelo que atestam os especialistas, o vírus A(H1N1) não chega a ser tão nefasto como sugeria a sua estranheza inicial. Hoje, sabemos que tanto pelos sintomas quanto pelos óbitos causados pelas complicações da doença (principalmente a pneumonia), a “gripe suína” não é mais grave ou menos grave do que aquela gripe “tradicional” causada pelo vírus conhecido genericamente como “influenza sazonal”. Isto sem contar os diversos outros tipos de vírus cuja proliferação é mais intensa no inverno. 

Segundo informação do Ministério da Saúde, ainda é cedo para especular sobre os efeitos futuros (mutação, agressividade etc.) do novo vírus, mas o fato é que, hoje, o vírus A(H1N1) entrou numa espécie de “competição” com a influenza sazonal. Isto significa que, neste inverno de 2009, somadas a gripe comum e a “gripe suína”, não temos, em termos relativos, um número muito maior de pessoas gripadas em comparação com o inverno de 2008. Da mesma forma, neste ano, o número de mortes causadas pelas complicações da gripe não é, na comparação com 2008, algo alarmante. Vale frisar: “mortes causadas pelas complicações da gripe” não é o mesmo que dizer “mortes causadas pelo vírus da gripe”. O vírus da gripe, diferente do que alguns setores da imprensa insistem em sugerir, não mata. O que pode matar, isto sim, é a desinformação. 

 O que temos lido e assistido na imprensa nos últimos dias em relação a nova gripe são enfoques estritamente sensacionalistas que em nada ajudam a preocupação do Ministério da Saúde de transmitir informação e tranquilidade à população. Em vez disso, ocupam o noticiário nacional com as “mortes causadas pela gripe suína (sic)”, a correria aos hospitais, a fragilidade do sistema de saúde pública e a revolta da população. Ora, não seriam tais notícias os fatores fomentadores de toda essa intranquilidade e caos? É o caso de se questionar: qual a real necessidade de um cidadão comum ser informado que “a gripe suína está matando”? Não seria mais sensato “bombardear” a população com dicas sobre a higiene pessoal e hábitos alimentares saudáveis? Ao que parece, andam confundindo “pandemia” com “pandemônio”, com a prevalência deste último. Chegou-se ao cúmulo de o noticiário televisivo mostrar um estádio de futebol com quase toda a torcida usando máscaras para “proteção contra a gripe”, como se residisse sensatez em tal providência... Até onde chegará, por parte da mídia, a propaganda da desinformação e estupidez? Cadê o papel social da imprensa? 

Nos países mais desenvolvidos em que o A(H1N1) se espalhou, o clima que ora impera é de tranquilidade. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde a nova gripe chegou forte (quando então era inverno por lá), o noticiário foi muito mais informativo do que alarmista. Não houve, portanto, o enfoque dramático como este com que a imprensa brasileira tem tratado do caso. O resultado é que a população norte-americana, no geral, continuou levando uma vida normal a tal ponto que, hoje, não há qualquer notícia; qualquer vestígio traumático da passagem da “gripe suína” pela América do Norte, onde ocorreram os primeiros casos. 

No mais, deixo aqui os links da esclarecedora entrevista que o ministro da saúde, José Gomes Temporão, falando sobre a nova gripe, concedeu ao programa do Jô Soares:

segunda-feira, 4 de maio de 2009

A tragédia da educação em São Paulo

São Paulo tem tido um desempenho medíocre no Exame Nacional de Ensino Médio, o Enem. Este dado, posto assim no contexto sofrível da educação (pública e privada) no Brasil, passa despercebido. Mas não deveria. Afinal, São Paulo é, disparado, o Estado mais rico da Federação. A despeito disto, as escolas localizadas no Estado (computadas as públicas e privadas) obtiveram, na média geral, o sexto lugar no ranking nacional.

O alarme para o fraco desempenho dos alunos paulistas pode ser dado na própria lógica buscada na estatística: quanto melhor o nível socioeconômico do estudante, maior a chance de se obter um bom desempenho no âmbito nacional. Pois não seria óbvio que tal fator ajudasse os estudantes do Estado de São Paulo? Ao contrário disto, a escola estadual paulista mais bem posicionada no ranking do Enem está numa longínqua 2.596ª posição. E poderia ser pior. Pois segundo reportagem da Folha de São Paulo, o diretor da tal escola (Escola Lúcia de Castro Bueno, em Taboão da Serra) só conseguiu tal "façanha" porque vai contra as orientações da Secretaria Estadual de Educação que, segundo ele, "só atrapalha". E outra reportagem da Folha já apontava, um ano antes, que o pífio desempenho de São Paulo no ENEM 2008 conseguiu ser pior do que em 2007, quando a melhor escola estadual de SP emplacou a 913ª posição.

Outro fator preponderante está no ranking das 20 melhores escolas do Brasil: São Paulo emplacou apenas quatro escolas, sendo que a melhor delas aparece em modesto oitavo lugar. A coisa piora se formos analisar o total de escolas avaliadas em cada Estado. Só de pegar a região Sudeste, já dá para se ter uma idéia da discrepância:

Espírito Santo: 470 escolas avaliadas;

Rio de Janeiro: 2.073 escolas avaliadas;

Minas Gerais: 2.913 escolas avaliadas;

São Paulo: 5.923 escolas avaliadas.

Ora, se conduzirmos o fato para o campo da probabilidade matemática, a coisa toma uma dimensão escandalosa: em número de escolas avaliadas, São Paulo tem quase o dobro de Minas Gerais, então o segundo maior Estado a oferecer escolas para o crivo do Enem. Atente-se ainda para o fato de que o número de escolas avaliadas em São Paulo (5.923) é maior do que a soma dos outros Estados do Sudeste, ou seja, 5.456 escolas avaliadas. Veja que Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, juntos, puseram 12 escolas no ranking das 20 melhores do Brasil, contra apenas 3 de São Paulo.

E se levarmos em conta as 100 melhores escolas avaliadas no ranking, a coisa fica mais turva ainda para as instituições de ensino localizadas em São Paulo, que aparecem em terceiro lugar, com 20 escolas - em comparação com o Rio de Janeiro, com 29 escolas entre as 100 melhores, ou Minas Gerais, com 23 escolas.

Diante dos fatos aqui analisados, parece claro que alguma coisa (não) acontece na educação em São Paulo que precisa ser urgentemente revisto. Espero que tal problema não descambe, como sempre, para a peleja política que mira 2010 – fator, aliás, que tem equivocadamente tirado os holofotes das discussões dos grandes problemas nacionais, como a já tradicional má vontade política para curar nossos abismos educacionais. E para a cura do mal, não são necessárias mágicas ou grandes esforços de criatividade: basta o governante seguir o que prescreve o capítulo III da Constituição Federal.

Fontes:

UFU – Universidade Federal de Uberlândia

UOL

INEP

Folha

(Publicado no Portal Nassif em 04 de maio de 2009)

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

The Dark Side of Moon

Este talvez seja o mais enigmático de todos os álbuns já produzidos na história da música moderna, a partir daquilo que o mundo passou a entender como “álbum”, ou seja, uma embalagem contendo uma “bolacha” (disco de vinil) que se constituía como parte integrante do casamento de várias artes que, aqui, dividiríamos em três:

- Design de capa (foto, desenho, pintura etc.);
- Letras das músicas (poesia);
- Conteúdo (música).

A CAPA DO ÁLBUM
A partir desta compreensão, fica fácil entender o porquê deste álbum ser considerado um dos mais perfeitos.

Já no próprio título do álbum, traduzível para ‘O Lado Escuro da Lua’, já temos um suculento enigma que se irradia em mistérios e interpretações. E tal leque interpretativo é sugerido pelo próprio design do famoso prisma transpassado pelo feixe de luz branca que se decompõe no espectro de cores. A título de curiosidade, antes de o Pink Floyd se decidir pelo design da capa, eles fizeram uma viagem ao Egito e tiraram várias fotos das pirâmides. Estas comporiam originalmente a capa - haja vista os mistérios que as cercam. Até que alguém teve a idéia de ilustrar com algo não menos misterioso e fascinante: o prisma com seu espectro de cores.

Ainda sobre a capa, julgo importante publicar aqui um trecho que se encontra na análise da canção Any Color You Like:

"(...) a compreensão do título [Any Color You Like] pode ser buscada na própria capa do álbum. Antes, é conveniente fazer uma breve explicação sobre a imagem publicitária. Quem trabalha com propaganda, sabe que toda e qualquer imagem deve trazer uma “mensagem” ascendente da esquerda para a direita. É neste sentido que os ocidentais lêem; e é neste que os cinegrafistas devem procurar “passear” sua câmera. Mais: tal idéia é buscada também nos gráficos que demonstram, no sentido mais amplo, a evolução de uma empresa: linhas que tendem a “subir” da esquerda para a direita. Assim, as logomarcas ou quaisquer outras figuras que façam referência a determinado produto, tendem a trazer a idéia desta “curva ascendente” – e nunca descendente, o que sugeriria decadência.

Uma vez compreendida tal informação, se você analisar a composição plástica da imagem da capa do álbum, perceberá que ela vai na contramão dessa idéia... Assim, o prisma serve não apenas como um “divisor” entre o feixe monocromático e o espectro de cores, mas também como um divisor de estado de espírito: o primeiro (monocromático) segue na forma ascendente ao passo que o segundo (colorido) sofre uma involução num processo descendente. Ou seja: qualquer que seja a cor que você escolher [sugerido pelo título Any Color You Like], de qualquer jeito a trajetória será ‘down’. "

Nos posts que seguem (abaixo), está dissecado todo o álbum 'The Dark Side of Moon', com uma interpretação muito particular (como, por exemplo, a correlação entre a capa do álbum e as canções). Juntamente, estão todas as letras traduzidas (tradução livre).

Foi ele quem inspirou o álbum?

Impossível falar do 'The Dark Side of Moon' sem citar Syd Barrett. Para muitos, foi ele quem inspirou o álbum.

Pois o guitarrista Syd foi um dos fundadores da banda original e, juntamente com Roger Waters, era o ‘cabeça’ do grupo. Mas ele entrou fundo demais nas drogas e acabou pirando de vez. E foi substituído por David Gilmour em 1968, três anos após o nascimento da banda.
Em 2006, após uma vida reclusa, Syd Barrett morreu aos 60 anos de idade.

O significado de 'Álbum Conceitual'

É muito fácil encontrarmos a expressão álbum conceitual quando nos deparamos com textos a respeito do ‘The Dark Side of Moon’. O que significa isto?
Apesar de oportuna, a expressão ‘conceitual’ talvez não fique clara para a compreensão mais imediata quando tratamos da obra prima do Pink Floyd.

Pois o álbum do Pink Floyd é assim: traz em si uma mensagem; tem princípio, meio e fim. E cada detalhe aparentemente reles da obra deve ser encarado como algo profundo que pode alterar totalmente toda a nossa interpretação em cada releitura que fazemos. Ao longo dos posts, pela ordem, tratarei de esmiuçar o todo álbum - analisando, ponto a ponto, todas as canções. Evidente que, aqui, trata-se de uma interpretação muito particular que, aliás, foi enriquecida por pesquisas em diversos sites do gênero.

Pois o álbum é ‘simetricamente’ composto por 10 canções. Digo ‘simetricamente’ porque as mesmas obedecem tanto à cromografia proposta pela capa quanto à cronologia, ou, o ‘timer’ das canções. Para explicar isto, vamos ordenar as canções em dois blocos. Assim:

1- Speak to Me
2- Breathe
3- On the Run
4- Time / Breathe Reprise
5- The Great Gig in the Sky

6- Money
7- Us and Them
8- Any Colour You Like
9- Brain Damage
10- Eclipse

Da primeira canção, Speak to Me, até a quinta, The Great Gig in The Sky, temos o tempo corrido de aproximadamente 20 minutos. E da sexta canção, Money, até o final da última, Eclipse, temos 23 minutos. No antigo LP (long play de vinil, o popular "bolachão"), tal divisão era mais nítida. Pois as duas metades já vinham bem definidas em cada lado do álbum: A e B. Seria razoável, pois, supor que tenhamos duas metades, ou, fases que assim podem ser compreendidas:

1-Fase monocromática: o mundo idealista desde o nascimento da pessoa até o fim da adolescência.
2-Fase colorida: o mundo materialista da fase adulta até a morte.


Também, seria razoável interpretar a divisão a partir da visão psicodélica da coisa. Desta forma:

1- Fase monocromática: o mundo inocente desde o nascimento da pessoa até o fim da adolescência
2- Fase colorida: o mundo psicodélico da fase adulta até a morte.

O sentido de "O Lado Escuro da Lua"

A ciência nos ensina que a lua tem um lado que nunca é visto da Terra. É por isto que chamam de “Lado Escuro”. Por seu fator enigmático, criaram-se várias lendas em torno do “lado escuro”: discos voadores, seres estranhos etc. O astronauta norte-americano James Lovell, após conhecer o “lado escuro” da lua, teria afirmado: “Papai Noel existe”. Tal frase foi tomada pela crendice popular como metáfora para algo misterioso que Lovell teria avistado – já que “Papai Noel” era um código usado entre os astronautas e a NASA para fazer referência à visão de um possível OVNI. Mas a frase foi dita justamente no Natal de 1968, o que levou os mais céticos a acreditarem que tudo não passou de uma brincadeira do astronauta.
Falando em crendice, ou, coincidência, o fato é que Syd Barrett pirou de vez e saiu definitivamente do Pink Floyd em 1968 – justamente no ano em que a lenda em torno do “lado escuro da lua” se tornara evidenciada pela declaração de um astronauta. Em 1973 o Pink Floyd criaria o “The Dark Side of Moon”, cujo propósito era também homenagear Barrett. O “Lado Escuro da Lua” seria, no fundo, uma metáfora para o “lado escuro” de todo ser humano, ou seja, aquela faceta que carregamos dentro de nós e que nunca é visto pelas outras pessoas.

The Dark Side of the Moon & O Mágico de Oz

As coincidências entre o álbum ‘The Dark Side of Moon’ e o filme ‘O Mágico de Oz’ não se restringem à simples exposição do casamento do som com a imagem. Já ouvi muitas pessoas (que até já assistiram ao filme e curtiram o álbum) dizerem que não captaram coincidência alguma no tal casamento. Isto é compreensível. Quando me deparei pela primeira vez com a sincronia entre o álbum e o filme, captei poucas coincidências – já que havia esquecido boa parte do enredo de ‘O Mágico de Oz’, que assisti lá pelos anos oitenta. Assim, após uma paciente releitura, foi possível observar as coincidências.

E a observação principal: não basta apenas a noção do enredo do filme e a compreensão das letras do álbum ‘The Dark Side of Moon’. É necessário, antes de tudo, captar a mensagem; a leitura filosófica de ambos... Só assim fica mais nítida a perfeita "simbiose".

Bom, chega de papo e vamos direto ao que interessa: clique AQUI e boa viagem!

'The Dark Side of the Moon' – Uma análise geral

Conforme já foi dito, o álbum dito ‘conceitual’ obedece a todo um enredo embebido por um preceito filosófico. E tal enredo é exatamente o traçado de uma vida humana – desde o seu nascimento (com ‘Speak to Me’/ ‘Breathe’) até a morte (‘Eclipse’). Também foi mencionado o fato de o álbum ter sido inspirado em Syd Barrett – mais notadamente em ‘Brain Damage’. Mas há também uma pincelada biográfica de Roger Waters, principalmente na canção ‘Us and Them’ (“Nós e Eles”). Mas no seu ‘todo’, o álbum encaixa-se na vida das pessoas comuns. Até porque, como proclama o próprio trecho de ‘Us and Them’: “And after all we're only ordinary men” (“E apesar de tudo somos todos pessoas comuns”).

Quem já teve a oportunidade de analisar aquilo que era chamado ‘long play’ (o disco de vinil, ou, o popular “bolachão”), sabe que cada lado traz mais "claramente" a divisão: no lado A, temos a fase monocromática; e no lado B, a fase colorida. Na chamada “Era do CD”, por motivos óbvios, tal divisão perdeu o sentido...

Para melhor compreensão, vamos partir para cada título do álbum. Lembre-se que, também conforme foi dito, as letras se dividem em dois blocos, ou, fases:
1- Fase monocromática (espiritual, “ingênua”, subjetiva);
2- Fase colorida (materialista – ou psicodélica – realista, objetiva).

Vamos partir então para os títulos do álbum...
LETRAS, TRADUÇÕES e ANÁLISE
(Clique sobre cada título)

Fase monocromática

1- Speak to Me (“Fale para mim”) – Fase uterina até o nascimento;

2- Breathe (“Respire”) – Nascimento; os primeiros passos;

3- On The Run (“Em Fuga”) – Os perigos que espreitam;

4- Time (“Tempo”) – O momento de ir à luta;

5- Breathe / Reprise – As amarras (familiar, sentimental etc) que ainda prendem;

6- The Great Gig in The Sky (“O Grande Espetáculo no Céu”) – O contato com o místico (em contraponto ao medo da morte).

Fase colorida

7- Money (“Dinheiro”) – A queda aos encantos do mundo real – e materialista;

8- Us and Them (“Nós e Eles”) – O contato com as mazelas humanas; as indiferenças; a guerra;

9- Any Colour You Like (“Qualquer cor que você queira”) – O livre arbítrio de escolher o caminho;

10- Brain Damage (“Dano Cerebral”) – A loucura;

11- Eclipse – Todas os experimentos da vida – até a morte.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Eclipse

Eclipse
(Composição: Waters)

All that you touch
And all that you see
All that you taste
All you feel
And all that you love
And all that you hate
All you distrust
All you save
And all that you give
And all that you deal
And all that you buy
beg, borrow or steal
And all you create
And all you destroy
And all that you do
And all that you say
And all that you eat
And everyone you meet
And all that you slight
And everyone you fight
And all that is now
And all that is gone
And all that's to come
and everything under the sun is in tune
but the sun is eclipsed by the moon.

[There is no dark side of the moon really. Matter of fact it’s all dark.]

Tradução

Eclipse

Tudo que você toca
Tudo que você vê
Tudo que você experimenta
Tudo que você sente
Tudo que você ama
Tudo que você odeia
Tudo que você desconfia
Tudo que você salva
Tudo que você doa
Tudo que você negocia
Tudo que você compra
mendiga, empresta ou rouba
E tudo que você cria
E tudo que você destrói
E tudo que você faz
E tudo que você diz
E tudo que você come
E todos que você conhece
E tudo que você despreza
E com todos que você briga
E tudo que é agora
E tudo que já passou

E tudo que virá
E tudo está alinhado com o Sol
Mas o Sol está eclipsado pela lua

[Na realidade não existe o lado escuro da lua; no fundo, é tudo escuro]

Análise

Para melhor analisar esta canção, torna-se conveniente virá-la de ponta-cabeça, ou seja, iniciar pelo final da letra – no qual está a chave para sua compreensão: “E tudo está afinado sob o sol / Mas o sol está eclipsado pela lua”. E no final ainda encontramos a “voz de fundo” com a frase-chave de autoria do porteiro Jerry Driscoll, do estúdio Abbey Road: “Na realidade não existe lado escuro da lua; na verdade é tudo escuro”.

Neste raciocínio, presume-se que “o sol eclipsado pela lua” é o eclipse solar – raríssima ocasião em que o sol, a lua e a Terra estão alinhados, nesta ordem. Se é verdade que apenas alguns pontos da Terra são “contemplados” com o eclipse total, o importante é levarmos em consideração a metáfora do cenário. E o que enxergamos neste cenário? Ora, quando se encontram alinhados, a lua, a despeito de se tornar negra na frente do sol, deixa a Terra igualmente na penumbra. Encerramos, pois, com o eclipse total concomitante com os batimentos cardíacos que vão paulatinamente baixando de intensidade até a morte.

Uma vez compreendido o sentido do ‘Eclipse’, iniciamos por focar a letra – na qual Waters elencou todos os sentimentos humanos... E ante tais sentimentos expressos, torna-se inevitável fazer uma analogia com aquele “filme da vida em um segundo” que, dizem, acontece no último segundo da vida de uma pessoa. Analogamente, a letra não passa de uma retrospectiva de tudo que vimos ao longo do álbum: desde os primeiros sentimentos ‘palpáveis’ de uma vida jovem, em 'Breathe' (tocar, enxergar; experimentar, amar); passando pela noção de tempo tocada em 'Time' (o que é agora; o que passou; o que virá) e pela fase mercenária em ‘Money’ (mendigar, negociar, comprar) e chegando à violência implícita em ‘Us and Them’ (brigar, destruir)...

Conforme as análises anteriores (Breathe e Time), o sol aparecia como ‘entidade’ positiva e a lua como entidade negativa... No primeiro caso (em ‘Breathe’), vimos o “aconselhamento” para o coelho cavar sua toca e esquecer o sol; depois, em ‘Time’, vimos a pessoa correndo para tentar alcançar o sol quando este já estava se pondo... Afinal, a letra já tinha alertado: “você perdeu o tiro de partida”, ou, “você já foi tarde”. O sol nasceria de novo atrás da pessoa, que teria nova chance de alcançá-lo – porém a pessoa estaria mais velha e sem fôlego para tentar o feito...

E eis que, em ‘Eclipse’, encontramos a confirmação desta “tese” (o sol como parte positiva e a lua como parte negativa) – mas numa conclusão muito mais cruel esboçada nos dois últimos versos: se é verdade que tudo na vida está alinhado com o sol (todas as atitudes do homem; o presente, o passado e o futuro), então temos que imaginar que estamos diante de um metafórico eclipse solar – em que a lua interpõe-se entre o Sol e a Terra, quando temos a escuridão total...
Veja a sutileza de Waters em sua ácida crítica ao establishment que já fora detectada em ‘Breathe (em que a entrega à maré é a forma mais rápida de morrer espiritualmente): o perfeito alinhamento entre o sol, a lua e a Terra simboliza todo o nosso universo humano alinhado com o “estado das coisas”. Mas é o tal alinhamento que traz o eclipse, ou seja, que determina a escuridão total. Desta forma, podemos compreender a frase final:
“Na realidade não existe o lado escuro da lua; no fundo, é tudo escuro”.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

O Escravo de Paulo Coelho

Antônio Walter Sena, o 'Toninho Buda'

“Os Vampiros são às vezes bons e às vezes maus. E às vezes bons e maus”.

Esta epígrafe do livro “Manual Prático do Vampirismo”, que Paulo Coelho supostamente teria escrito, bem poderia também epigrafar esta incrível história que, graças ao “drible da vaca” que Fernando Morais (autor da biografia ‘O Mago’) deu no seu biografado, todo mundo pôde conhecer – e que agora eu repasso neste artigo.

Há um engenheiro aqui em minha cidade chamado Antônio Walter Sena Jr, de 58 anos. Se você chegar aqui e procurar por este nome, quase ninguém vai saber responder... Mas se você perguntar por "Toninho Buda", a coisa melhora um pouco. Agora, se eu disser que Toninho Buda foi “escravo” de Paulo Coelho, então a coisa esquenta.

Toninho Buda é uma figura fantástica que se popularizou nos anos oitenta em shows nos quais aparecia como performático; declamando poemas e fazendo vivas à Sociedade Alternativa. Embora "porra-louca", Toninho não era um cidadão inconseqüente... Pés no chão (ou quase isto), ele nunca dispensava exercícios físicos e era figurinha carimbada nas maratonas – seja em Juiz de Fora ou seja em Nova York.

No início dos anos oitenta, Toninho montou um restaurante macrobiótico em Juiz de Fora e passou a ministrar palestras gratuitas sobre os benefícios de uma alimentação saudável. Foi numa dessas palestras que conheci Toninho. Lembro perfeitamente das suas preocupações já naquela época: os perigos da química nos alimentos; o desenfreado uso dos agrotóxicos...

Quando esteve em Juiz de Fora para se apresentar num dos memoráveis festivais de rock da cidade, Raul Seixas, acompanhado do seu parceiro Paulo Coelho, resolveu experimentar o rango daquele recanto “macrô" da rua São Mateus. Foi ali que nasceu a forte amizade entre Raul, Paulo e Toninho.

Pouco tempo depois daquele encontro em Juiz de Fora, Toninho, a pedido de Paulo Coelho, escreveu ‘Manual Prático do Vampirismo’. Competente na escrita, ele gastou apenas três dias e meio para concluir a obra e entregar para o seu amigo Paulo Coelho providenciar a edição. A co-autoria seria, pois, uma interação de competências: Toninho entraria com a criação intelectual e Paulo entraria com seus ótimos contatos editoriais no Rio.

Alguns meses depois, ao folhear o Jornal do Brasil, Toninho leu a boa nova: o livro seria lançado num hotel de luxo do Rio. O correio teria atrasado na entrega do convite ao autor, que pegou um ônibus e partiu para integrar a festa do lançamento. Toninho chegou à festa antes de Paulo. Pegou um livro no stand e ficou maravilhado com o resultado; com o acabamento... Mas quando começou a folhear a obra, Toninho começou a ficar nervoso; e deprimiu-se com a trágica descoberta: Paulo Coelho era o verdadeiro “vampiro mau”. Em nenhuma página; em nenhum cantinho de rodapé aparecia qualquer menção a Toninho.... Daí caiu a ficha: o correio não tinha atrasado na entrega do convite... porque não existia convite! Pois Paulo Coelho simplesmente roubara a criação do engenheiro. A dramática situação de Toninho talvez só um escritor iniciante entenderia: sentir-se um penetra na festa de lançamento do seu próprio livro. O único valor que Toninho recebeu pelo livro foi simplesmente este: uma refeição.

Algum tempo depois, Toninho foi contratado por Paulo Coelho para a famosa viagem à Espanha (Caminho de Santiago). A função do contratado, que ganharia 200 dólares por mês, seria ajudar na feitura do livro que seria o pontapé inicial para que o “mago” se tornasse um dos maiores vendedores de livros do planeta: “O Diário de Um Mago”. Na ocasião, Paulo gostava de repetir uma frase de Nelson Rodrigues: “O dinheiro compra até amor sincero”. Quando novamente “caiu a ficha” de que estava sendo explorado por um cínico incorrigível, Toninho Buda resolveu abandonar a idéia da Sociedade Alternativa e voltou a ser engenheiro em Juiz de Fora.
Consciente de que ninguém acreditaria na sua história, Toninho optou por guardar segredo sobre a verdadeira face de seu “amigo”. Mas quis o destino que um golpe audacioso do escritor Fernando Morais, biógrafo autorizado de Paulo Coelho, trouxesse toda a verdade à tona – e contra a vontade do biografado.

Acontece que Fernando Morais teve carta branca do biografado para buscar as fontes da sua pesquisa. Mas o que Paulo Coelho não esperava era que Morais, inadvertidamente, fosse descobrir um baú escondido no quartinho de empregada de um imóvel no Rio. O baú estava lacrado e constava no testamento do “mago” da seguinte forma: tinha que ser imediatamente incinerado logo após a morte de Paulo Coelho. O motivo era óbvio: ali continha muitas verdades impublicáveis. Entre vários escritos, Fernando Morais descobriu que Paulo Coelho sempre se referia a Toninho Buda como “meu escravo” – revelação esta que surpreendeu (e chocou) o próprio Toninho.

Enfim, opto por encerrar este artigo num estilo bem paulo-coelhiano: “num golpe mágico, quis o destino que a força da verdade abrisse o baú para tomar vida na própria biografia do mentiroso”.

Este artigo no blog do Luis Nassif:
http://www.projetobr.com.br/web/blog?entryId=8668

Também na home page do próprio Fernando Morais, biógrafo de Paulo Coelho:
http://www.fernandomorais.com.br/omago/imprensa.php?id_noticia=265

Saiba mais sobre Toninho Buda:
http://www.toninhobuda.com/

Toninho Buda sendo entrevistado pela Rede Globo:
http://g1.globo.com/Noticias/PopArte/0,,MUL592189-7084,00.html


quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Brain Damage

Brain Damage
(Composição: Waters)

The lunatic is on the grass
The lunatic is on the grass
Remembering games and daisy chains and laughs
Got to keep the loonies on the path

The lunatic is in the hall
The lunatics are in my hall
The paper holds their folded faces to the floor
And every day the paper boy brings more

And if the dam breaks open many years too soon
And if there is no room upon the hill
And if your head explodes with dark forbodings too
I'll see you on the dark side of the moon

The lunatic is in my head
The lunatic is in my head
You raise the blade, you make the change
you re-arrange me 'till I'm sane

You lock the door
And throw away the key
There's someone in my head but it's not me

And if the cloud bursts, thunder in your ear
You shout and no one seems to hear
And if the band you're in starts playing different tunes
I'll see you on the dark side of the moon.


Tradução

Dano Cerebral

O lunático está no gramado
O lunático está no gramado
Lembrando brincadeiras e guirlandas e risadas
É isso que mantém os malucos no rumo

O lunático está na área
Os lunáticos estão na minha área
O jornal permanece dobrado virado para o chão
E todo dia o jornaleiro traz mais

E se os diques arrebentarem muitos anos antes do tempo
E se lá não tiver nenhuma moradia na colina
E se sua cuca também explodir com esses sombrios presságios
Eu te verei no lado escuro da lua

O lunático está na minha cabeça
O lunático está na minha cabeça
Você levanta a lâmina, você faz a mudança
Você me refaz até eu ficar sóbrio

Tranque a porta
E jogue fora a chave
Há alguém na minha cabeça mas não sou eu

E se a nuvem carregada trovejar em seu ouvido
Você grita e ninguém parecer ouvir
E se a banda em que você está começar a tocar diferentes melodias
Eu te verei no lado escuro da lua.


Com Brain Damage, chegamos ao estágio da loucura – o que nos leva a supor que tal condição seria a cor “escolhida” em ‘Any Color You Like’. Sem sombra de dúvidas, esta canção é uma clara referência de Waters a Syd Barrett, na figura do lunático.

A primeira estrofe remonta à infância de Waters. O gramado em questão, que ficava numa praça no seu trajeto para a escola, é uma imagem recorrente na memória do autor. Pois o que jogava Waters nessa fixação pelo gramado era a tabuleta onde se lia “não pise na grama”, algo que o incomodava. Ou seja: a beleza do gramado florido não é algo para sentir, mas tão-somente para ver. Assim, o ato de pisar e sentir o belo gramado; tirar as margaridas para fazer, vá lá, uma guirlanda* representa não apenas uma reles maluquice, mas principalmente uma subversão às regras impostas pela sociedade.

*Obs.: A expressão ‘Daisy chain’ (“guirlanda” ou “corrente de margarida”) nunca terá uma tradução feliz para o português, já que representa uma distração infantil muito popular na Inglaterra de se prender margaridas ao longo de correntinhas para usar como bijuteria (tiara, colar, pulseira etc). As “Daisy chains” viraram acessórios populares no movimento hippie dos anos sessenta (imagem imortalizada no musical ‘Hair’) e tomaram um fundo psicodélico. “Daisy chain”, inclusive, já fora expressão usada por John Lennon na canção ‘Dear Prudence’ (1968): “The clouds will be a daisy chain”. No mais, há uma lenda inglesa na qual uma fada dava comida misturada com pétalas de margaridas a um príncipe para evitar que ele crescesse e perdesse a sua pureza infantil.

Waters, agora já adulto, imaginando o lunático pisando na grama, acaba se identificando com ele – já que está realizando um desejo reprimido quando criança. Waters então se enxerga menino; vê no maluco sua própria imagem de menino, brincando; colhendo as margaridas para aproveitá-las para algo – já que, de qualquer jeito, elas morrerão. E principalmente isto: vê os sorrisos que, aliás, ele não pôde dar naquele tempo. Enfim, é assim; sorrindo; fugindo das convenções repressivas, que os malucos (e as crianças!) mantém seus respectivos rumos.

Na estrofe seguinte, o letrista começa aos poucos a se aproximar do louco: primeiramente, enxerga o louco numa área; em seguida, enxerga vários lunáticos na SUA área (defronte sua casa). Ali, ao chão, está o jornal intacto com sua capa virada para o chão. Esta imagem decompõe-se em duas vertentes: na primeira, a idéia do jornal dobrado, intacto, remete-nos ao distanciamento com os acontecimentos do mundo (alienação); na segunda, o jornal virado para o chão representa metaforicamente a real posição daqueles que ali são noticiados (líderes mundiais, cientistas, artistas, celebridades etc.). Ou seja: todos ali, dentro do jornal, seriam os verdadeiros loucos – loucura esta reproduzida todos os dias, quando o jornaleiro traz mais jornais...

Na terceira estrofe, temos o caos representado pela inevitável chegada da loucura. Pois de qualquer jeito, os diques (que mantêm a cuca no lugar) arrebentarão – inundando tudo o que estiver em volta. Mas se tal fatalidade acontecer antes do tempo pré-determinado; se não houver nada a ser salvo acima da inundação (na colina); ou mesmo se sua cuca fundir com esses maus presságios, então finalmente você conhecerá o lado escuro da lua. Na introdução deste trabalho, já foi dito o que representa o “lado escuro da lua”. Ali, tivemos a oportunidade de analisar que o “lado escuro da lua” representa o lado desconhecido que habita cada um de nós. E a lua, que vela todo o álbum, entra aqui na sua forma mais notável.... Não foi à toa, pois, que Waters optou pela palavra ‘lunatic’ (“lunático”), que embora seja sinônimo de “louco”, o dicionário nos traz como primeira definição: aquele que sofre a influência da lua.

Na seqüência, o letrista afirma – e reafirma – que, enfim, o lunático está dentro da sua própria cabeça: ‘The lunatic is in my head’. Em seguida, vêm os versos que demandam muita sutileza para a compreensão: ‘Você levanta a lâmina, você faz a mudança / Você me refaz até eu ficar sóbrio’. A lâmina aqui entra como representação da lobotomia, ou seja, reside aqui uma crítica metafórica ao “forçar de barra” na tentativa de tirar a pessoa da loucura, ou, rearranjá-la ao establishment. Na próxima estrofe vêm os versos que mostram o resultado disso... É como se o letrista quisesse dizer: já que você resolveu cometer tal absurdo (fazer a mudança em mim), então, após abrir a minha cabeça (para a “lobotomia”), tranque a porta (minha cabeça) e jogue a chave fora. Isto sugere o trancamento vitalício do “estabelecimento”, ou seja, o isolamento total da cabeça da pessoa de onde, doravante, nada entrará ou sairá. E de que adiantou a mudança se esta trouxe uma irrevogável crise existencial: “há alguém na minha cabeça, mas não sou eu”.

E vêm os versos finais que denotam a conseqüência disso tudo juntamente com a clara alusão a Syd Barrett. A nuvem carregada trovejando sugere uma tempestade (a explosão da cabeça) prestes a eclodir. Neste sentido, conforme vimos nos versos anteriores, como a pessoa teve sua cabeça mudada e trancada, mesmo que ela tente extrapolar suas emoções (gritar), ninguém irá ouvi-la. Então, em vez de explodir, a cuca da pessoa vai “implodir”, ou seja, ela vai pirar de vez. Enfim, vêm os versos finais em referência a Barrett: “E se a sua banda começar a tocar diferentes melodias / eu te verei no lado escuro da lua”. Para entender tal referência às diferentes melodias, torna-se necessário lembrar uma das principais causas da saída de Barrett do Pink Floyd: em alguns shows, quando a banda iniciava os acordes para tocar determinada canção, Barrett trocava as bolas e tocava os acordes de outra canção. Tal problema tornou-se crônico, o que motivou a saída do fundador do Pink Floyd. A referência às diferentes melodias foi, pois, a forma que Waters encontrou para fechar a canção como uma homenagem a Barrett.

Finalmente, vem a espetacular conclusão – e a espetacular homenagem: o fato de a banda (no caso, o Pink Floyd) ter começado a tocar melodias diferentes foi determinante para a saída de Barrett. Mas seriam tais “melodias diferentes” algo essencialmente ruim? Não. O fato de serem “diferentes” do tom do conjunto não significa que eram melodias ruins ou erradas. O que Wateres parece ter tentado dizer é o seguinte: no fundo, o Pink Floyd todo toca “diferente”; e este “diferente” significa o reconhecimento da forte influência estilística que Barrett, apesar da sua saída, continuou exercendo sobre as canções do grupo. Assim, seria como se Waters quisesse dizer diretamente a Barrett: se a banda em que você (ao menos espiritualmente) está começar a tocar melodias diferentes, então eu te verei (estarei contigo) não apenas nesse lado escuro que você conheceu, mas também em todo o álbum construído especialmente para você: ‘The Dark Side of Moon’.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Any Color You Like

Any Color You Like ("Qualquer Cor que Você Desejar")
(Gilmour, Mason, Wright)

Análise

Como todo som puramente instrumental, analisar ‘Any Color You Like’ é tirar leite de pedra. Mas levando-se em conta o título e o contexto em que está inserido no álbum – entre uma canção que fala da guerra (‘Us and Them’) e outra que fala da loucura (‘Brain Damage’), há sim o que analisar (ou “viajar”, como queira...) – a começar pela polêmica sobre a inspiração do título e, claro, pelo impagável som (mais notadamente o solo de David Gilmour) que, no fim das contas, parece nos desnortear (no melhor sentido)...

Há várias teorias desencontradas acerca da origem do título: uma delas diz respeito a Henry Ford, que em 1920 teria soltado uma frase irônica a respeito da sua decisão de, para cortar custos na sua indústria automobilística, produzir os modelos ‘Ford T’ apenas na cor preta. Ford então, acerca desta decisão, teria dito ironicamente: "Agora você pode escolher o automóvel na cor que desejar, contanto que seja o preto”. Verídica ou não, o fato é que a frase virou folclore. E este folclore teria inspirado um outro: um técnico de som do Pink Floyd, ao ser perguntado sobre qual guitarra a ser usada num evento, teria respondido: “Qualquer cor que você quiser, são todas azuis”. Talvez a tirada irônica do técnico fosse uma referência ao blues – e na origem do nome deste gênero musical afro-americano baseado nas chamadas ‘blue notes’ (notas azuis), que sugerem um estado de espírito melancólico, ou, depressivo...

Os integrantes do Pink Floyd, acertadamente, raramente opinam ou dão atalhos a respeito das suas canções. Deixam isto para o público e para a crítica. Pois é isto que dá graça a qualquer manifestação artística. Mas numa das raras ‘deixas’ a respeito das canções do grupo, Roger Waters chegou a fazer um comentário a respeito do título ‘Any Color You Like’. E teria dito que há uma tendência de a maioria das pessoas, quando postas num leque de cores a serem escolhidas, optarem pelo azul. Neste raciocínio, o título toma uma forma irônica: na verdade, não há escolha – já que a pessoa está predestinada a seguir com o azul, ou seja, a melancolia, a depressão... A loucura, enfim. Desta forma, fica fácil compreendermos o porquê de ‘Any Color You Like’ ser sucedida por ‘Brain Damage’.

Veja que, ao longo do que já foi analisado nas canções, não é a primeira vez que esta falsa liberdade de escolha aparece. Em Breathe, vimos que, na primeira estrofe, a idéia libertária expressa em ‘Look around and choose your own ground’ (“Olhe em sua volta e escolha seu próprio chão”) se contrapõe ao servilismo presente na segunda estrofe: ‘Don't sit down it's time to dig another one’ (“Não descanse é hora de cavar outra”). Da mesma forma, em ‘Us and Them’, vimos que foi inevitável que o jovem, ante a batalha de palavras entre o pacifista e o homem com arma na mão, acabasse sendo atraído por este último. Em suma, fica patente ao longo do álbum que, a despeito da aparente liberdade que o mundo nos lega, o que acaba prevalecendo é o destino pré-determinado pela ditadura imposta pelo establishment.

No mais, a compreensão do título pode ser buscada na própria capa do álbum. Antes, porém, é conveniente fazer uma breve explicação sobre a imagem publicitária. Quem trabalha com propaganda, sabe que toda e qualquer imagem deve trazer uma “mensagem” ascendente da esquerda para a direita. É neste sentido que os ocidentais lêem; e é neste que os cinegrafistas devem procurar “passear” sua câmera. Mais: tal idéia é buscada também nos gráficos que demonstram, no sentido mais amplo, a evolução de uma empresa: linhas que tendem a “subir” da esquerda para a direita. Assim, as logomarcas ou quaisquer outras figuras que façam referência a determinado produto, tendem a trazer a idéia desta “curva ascendente” – e nunca descendente, o que sugeriria decadência.

Uma vez compreendida tal informação, se você analisar a composição plástica da imagem da capa do álbum, perceberá que ela vai na contramão dessa idéia... Assim, o prisma serve não apenas como um “divisor” entre o feixe monocromático e o espectro de cores, mas também como um divisor de estado de espírito: o primeiro (monocromático) segue na forma ascendente ao passo que o segundo (colorido) sofre uma involução num processo descendente. Ou seja: qualquer que seja a cor que você escolher, de qualquer jeito a trajetória será ‘down’.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Us and Them

US AND THEM
(Composição: Waters, Wright)

Us, and them
And after all we're only ordinary men
Me, and you
God only knows it's not what we would choose to do
Forward he cried from the rear
And the front rank died
And the Generals sat, and the lines on the map
Moved from side to side
Black and blue
And who knows which is which and who is who
Up and Down
And in the end it's only round and round and round
Haven't you heard it's a battle of words
The poster bearer cried
Listen son, said the man with the gun
There's room for you inside


[I mean, they’re not gonna kill ya, so if you give ’em a quick short, sharp, shock, they won’t do it again. Dig it? I mean he got off lightly, ’cos I would’ve given him a thrashing, I only hit him once. It was only a difference of opinion, but really...I mean good manners don’t cost nothing do they, eh?]

Down and Out
It can't be helped but there's a lot of it about
With, without
And who'll deny it's what the fighting's all about
Out of the way, it's a busy day
And I've got things on my mind
For want of the price of tea and a slice
The old man died


Tradução

NÓS E ELES

Nós, e eles
E apesar de tudo nós somos pessoas comuns
Eu, e você
Só deus sabe que nós não tínhamos outra escolha
Lá de trás ele gritou para avançar
E o pelotão de frente foi dizimado
E o General sentou, e as linhas do mapa
Se embaralharam
Preto e azul
E quem sabe qual é qual e quem é quem
Altos e baixos
E no fim das contas isto vira um ciclo sem fim
Você não ouviu isto é uma batalha de palavras
O homem do cartaz berrou
Escuta filho, disse o homem com a arma
Há um quarto pra você lá dentro


[Acho que eles não vão te matar, então se você der neles uma estocada rápida, curta, limpa, eles não vão fazer isso de novo. Sacou? Quer dizer, ele caiu fora porque eu poderia ter lhe dado uma porrada, mas eu só dei uma de leve nele. Era apenas uma diferença de opinião, mas realmente... Acho que boas maneiras não custam nada, né?]

Morto e destruído
Não há como evitar mas há muito a respeito disso
Com, sem
E quem vai negar que é esta a razão de toda a luta
Sai do meu caminho, estou num dia cheio
E estou de cabeça cheia
Por não querer saber do preço do chá e da torrada
O homem velho morreu


Análise
A morte do soldado Eric Flecher Waters na Segunda Guerra Mundial, em fevereiro de 1944, ocorreu cinco meses depois do nascimento do seu filho Roger. Não se sabe se foi este o fator determinante para que a fama de um dos maiores ídolos do pop rock mundial se estendesse também para o seu refinado senso crítico em relação aos descaminhos do mundo – principalmente a guerra. Não é à toa, pois, que ‘Us and Them’ pode ser considerada, sem favor nenhum aos grandes poetas clássicos, uma das mais belas – e realistas – construções poéticas sobre a guerra. Nesta canção, temos mais claramente o toque autobiográfico de Roger Waters – toque este que ressurgiria anos depois em dois outros álbuns: ‘The Wall’ (1979) e ‘The Final Cut’ (1983).

Antes de integrar o álbum ‘The Dark Side of Moon’, ‘Us and Then’ foi batizada preliminarmente de ‘The Violent Sequence’ (“A Seqüência Violenta”) para servir como parte da trilha sonora do filme Zabriskie Point (1970), de Michelangelo Antonioni. A mudança do título foi muito feliz, uma vez que permitiu interpenetrar-se à letra um teor lírico. E principalmente isto: com a mudança, o título transcendeu ao caráter estritamente bélico para nos falar das ‘diferenças’ no seu sentido mais amplo: sócio-econômicas, étnicas, raciais... Iniciemos, pois, a análise...

Como um gancho ao título, o início da letra parece nos remeter a uma “reflexão” de um soldado numa batalha em que o front de um dos lados foi dizimado. E o interessante é que a letra não nos explicita de que lado estava o soldado, ou seja, se do lado perdedor ou vencedor da batalha. Afinal, a idéia é exatamente esta: expressar que, a despeito dos lados que brigam, toda a batalha é protagonizada por inúmeros soldados (pessoas comuns); a ralé que forma a base de uma complexa pirâmide hierárquica em cujo topo está o escol, seja este civil ou militar. E na batalha, não há outra escolha senão obedecer às ordens “vindas lá de trás”: “Forward he cried from the rear”. Aqui, fica clara a distinção entre os comandados da linha de frente e o comandante que, na segura retaguarda, mandou os solados avançarem (para a morte). E na posição ainda mais alta da pirâmide, está sentado o general – que, incólume em seu gabinete ante o mapa, manipula seus comandados em traçados estratégicos que, no fim, transformam-se em linhas embaralhadas que só ele entende. Assim, aos olhos dos comandantes, o real horror da guerra (com mortos e feridos) transforma-se em simples cores (preto e azul) no estratagema esboçado num pedaço de papel. A guerra; as vitórias e derrotas; os impérios, no fim das contas, vira um ciclo sem fim, ou seja, as guerras nunca se extinguirão até por conta de algo só explicável pelo fato de o homem, como diz Saramago, ser o único animal capaz de matar não pela sobrevivência – mas pela pura crueldade fomentada pela ganância. Estamos, enfim, na interminável luta entre opressores e oprimidos.

A letra logo em seguida traz um verso que serve de contraponto: “E no fim das contas isto vira um ciclo sem fim”. Veja que este verso divide dois cenários que sugerem o “ciclo sem fim”: o primeiro, que foi visto acima – ou seja, o resultado trágico de uma batalha em que um front foi dizimado (FIM). E o segundo: uma cena urbana que sugere a gestação de uma guerra (INÌCIO). Para entender tal cena urbana, é necessário explicar algo incomum no Brasil e muito comum nos EUA ou Reino Unido. No Brasil (porque o serviço militar é obrigatório), o exército não precisa fazer a “propaganda de campo”, coisa muito corriqueira no Reino Unido e Estados Unidos (onde o serviço militar, há tempos, é voluntário). A “propaganda de campo” é para convencer um jovem entrar no exército e consiste no seguinte: o exército manda para as ruas belos módulos móveis (normalmente trailers) com pessoas muito bem vestidas em pomposas fardas para fazer uma abordagem aos jovens (normalmente pobres e/ ou imigrantes), tentando convencê-los das grandes vantagens de servir ao exército.

Para a compreensão da letra, torna-se conveniente construir a cena urbana imaginada por Waters usando-se três personagens: o primeiro, é um manifestante pacifista portando um cartaz (sugestivamente escrito “paz”); o segundo é um desses aliciadores enviados pelo exército – na letra simbolicamente representado pelo homem portando uma arma; e o terceiro é um jovem rapaz, muito provavelmente pobre. Mais notadamente a partir da Guerra do Vietnã e o advento Woodstock, era muito comum os manifestantes saírem com a palavra “paz” escrita em cartazes e bradando palavras de ordem contra a guerra. E a letra parece mostrar um jovem que, desavisado, passa por uma manifestação dessas e logo em seguida é abordado pelo aliciador para entrar para o exército. Nasce daí a batalha de palavras: “guerra x paz”. Pois o manifestante alerta o jovem para não cair nessa enquanto o aliciador tenta convencê-lo de forma fraternal: “escuta, filho, há um quarto para você lá dentro”, ou seja, com uma mão o aliciador aponta para o trailer dizendo que ali há um quarto, ou, abrigo para o jovem (o que sugere aconchego) – mas com outra mão segura uma arma (o que sugere violência). Logo após este verso, segue-se a “voz de fundo” que assim começa o seu relato: “Acho que eles não vão te matar (...)”. Não é por acaso que Roger Waters (e os produtores) optaram por mixar tal “voz de fundo”. Conforme já foi explicado anteriormente, tais vozes é que dão o tom do “Lado Escuro da Lua” do álbum. Neste caso específico, o "texto" é de Roger the Hat – uma espécie de supervisor operacional do Pink Floyd. Pois ele, que era tido como um bonachão, foi sorteado com a seguinte pergunta: “qual foi a última vez que você cometeu uma violência”. Evidentemente que o referido trecho, descontextualizado do relato completo, fica sem sentido algum. Também a título de curiosidade, o trecho extraído de Roger the Hat foi exatamente a parte final da sua fala, que relata o seguinte caso: ele teria emprestado sua caminhonete para um sujeito que deu carona para algumas pessoas; depois o sujeito, já bêbado, começou a dirigir alucinadamente, quase causando uma tragédia. Após uma discussão com o incauto, Roger the Hat deu-lhe uma “porrada de leve”. Enfim, esta revelação, ou seja, a confissão (do lado violento) é posta justamente quando o aliciador acaba por convencer o rapaz a entrar para o exército.

O refrão seguinte começa curto e grosso; e aparentemente nos mostra qual foi a opção do rapaz (que se deixou seduzir pelo aliciador) – e qual o destino que estaria traçado para ele: “down and out”. Esta expressão, que já fora usada por George Orwell (‘Down and Out in Paris and London’) para se referir a alguém “na pior, ou, no fundo do poço”, também é muito usada no boxe para um lutador nocauteado. Mas no contexto bélico de Waters, seria algo como “morto e destruído”. E a letra emenda: “não há como evitar, mas há muito a respeito disso”. Esta frase (em que ‘guerra’ e ‘morte’ entram como termos elípticos) começa com um conformismo heideggeriano e acaba com uma ressalva platônica. Ou seja: embora a atração exercida pela guerra (e conseqüentemente a morte) seja algo inevitável para o jovem, não é por falta de aviso e conscientização que eles tomam tal decisão.

Eis que, finalmente, chegamos nas duas poderosas palavras-chave que resumem tudo – e que, inclusive, explicam o porquê de ‘Us and Them’ estar bem situado, no contexto do álbum, logo após a canção ‘Money’: ‘With and without’ (“Com e sem”).
O próprio letrista nos ajuda para explicar a frase: “E quem vai negar que essa é a razão de toda a luta?”. Sim, claro: se pararmos para pensar um pouco, chegaremos à conclusão de que todos os conflitos (bélicos, políticos, religiosos, ideológicos, étnicos, sociais etc.) são motivados essencialmente pela ganância do bicho-homem e sua eterna obsessão pelo “ter” – em detrimento do outro (“não ter”). Não vem ao caso, aqui, entrar em teses sócio-econômicas acerca do fato de a guerra ser algo essencial para o funcionamento da gigantesca “máquina capitalista” – já que às custas do bilionário orçamento bélico das grandes potências locupletam-se todos os setores econômicos, principalmente o setor secundário. Neste raciocínio, a ‘instituição guerra’ nos tempos modernos não é, como muitos imaginam, fomentada apenas pelo fator da conquista, mas sim como algo essencial para fazer girar a fortuna dos que sobrevivem às custas das tragédias humanas. Assim, por exemplo, para que o Congresso norte-americano libere bilhões de dólares para o orçamento militar daquele país, é necessário criar um clima instável entre as nações que justifique o investimento cada vez mais alto em tecnologia. E principalmente isto: é necessário que as bombas explodam.

Nos quatro últimos versos, voltamos ao cenário urbano – e ao desfecho que nos revela a opção tomada pelo jovem. Seduzido pelo aliciador, o jovem, agora, parece impacientar-se com os apelos do “homem que portava o cartaz”. A impaciência do jovem (em relação ao pacifista) parece refletir a reação de muitas pessoas quando cruzam na rua mesmo com um pedinte: “sai da minha frente que estou com pressa e sem saco”.

Enfim, os versos que encerram com chave de ouro a bela composição: ‘For want of the price of tea and a slice / The old man died’. A tradução poderia ser “Por não querer saber do preço do chá e da torrada / O homem velho morreu".Para um brasileiro, ou melhor, para um não britânico, estas duas frases, aparentemente, não têm muito sentido. Mas saiba que são belíssimas sacadas de Waters. Para tentar compreender a idéia, iniciemos por evocar o sentido de um conhecido dito: “O seguro morreu de velho”. Em seguida, se substituíssemos o tea (chá) e o slice (fatia de torrada) por “café com pão” a coisa melhoraria, pois são duas “instituições” brasileiras que representam uma refeição mínima para sobrevivência. Na Inglaterra, tal instituição é o chá com torrada.
Mas o que isto tem a ver com o sentido da letra? Bom, as duas frases fecham metaforicamente o sentido dos versos anteriores e diz respeito ao egoísmo daqueles que, por só olharem o seu próprio umbigo, pouco se interessam no engajamento contra as mazelas do mundo. Por isto, vivem bem e sem estresse. Quer dizer: se uma pessoa não é capaz de questionar; revoltar-se; meter a cara num problema que diz respeito a ela própria (no caso, o aumento do preço da sua alimentação básica que, aliás, privaria os pobres de comer), então há grande chance de se ter uma vida longa, ou seja, morrer de velhice.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Money

MONEY
Composição: Waters

Money, get away
Get a good job with more pay and you're o.k.
Money it's a gas
Grab that cash with both hands and make a stash
New car, caviar, four star daydream
Think I'll buy me a football team

Money get back
I'm all right jack keep your hands off of my stack
Money it's a hit
But don't give me that do goody good bullshit
I'm in the hi-fidelity first class travelling set
And I think I need a Lear jet

Money it's a crime
Share it fairly but don't take a slice of my pie
Money so they say
Is the root of all evil today
But if you ask for a rise it's no surprise that they're
giving none away

Tradução


Dinheiro

Dinheiro, liberte-se
Arranje um bom emprego que pague mais e você fica legal
Dinheiro, é combustível
Agarre a grana com as duas mãos e esconda-a
Carro zero, caviar, luxos de sonhar acordado
Acho que vou comprar um time de futebol


Dinheiro, afaste-se
Estou limpo, peão, mantenha suas mãos longe da minha grana
Dinheiro, é sucesso
Mas não me venha com essa babaquice de dinheirinho suado
Eu me tornei um contumaz viajante de primeira classe
E acho que preciso logo de um jatinho

Dinheiro, é um crime
Reparta-o com justiça, mas não se meta com a minha fatia
Dinheiro, como dizem por aí
É a raiz de todos os males hoje
Mas se você pede um aumento é claro que eles não vão dar


Análise

Com a canção ‘Money’, entramos na fase colorida do álbum. E o título não poderia ser mais emblemático para a canção que abre o “lado B” não só do álbum, mas do “lado B” desconhecido dentro de cada um de nós: preconceituoso, violento, louco... Todos somos um pouquinho disso tudo? Todos possuímos um “lado escuro” dentro de nós mesmos? Bom, tratemos primeiramente de ‘Money’...

Como não poderia deixar de ser, esta também é uma letra muito bem ‘sacada’ e estruturada. Para perceber isto, é conveniente, antes, uma breve explicação sobre a estrutura poética.

A letra está dividida em três estrofes. E cada estrofe é iniciada com uma frase de efeito muito comum quando as pessoas querem maldizer o dinheiro, ou seja, quando alguém quer recomendar o afastamento daquela entidade “demonizada”: “Dinheiro, liberte-se”; “Dinheiro, afaste-se”; “Dinheiro, é crime”. Mas quando você passa para o verso seguinte àquele que abre cada estrofe, percebe que a idéia é totalmente contrária. Ou seja: cada frase de efeito é usada, na verdade, para demonstrar o apego ao dinheiro. E é assim que Waters, com ironia e competência, retrata aquela contradição (para não dizer hipocrisia) das muitas pessoas que, da boca pra fora, dizem “odiar” o dinheiro, quando, no fundo, veneram. Explicando melhor...

A letra começa assim: “dinheiro, liberte-se”. Quem lê isto, imagina logo de cara que a letra está sugerindo que devemos nos libertar, ou, fugir do dinheiro. Mas eis que vem o segundo verso emendando: “arranje um bom emprego com o maior salário que você fica legal”. Ou seja: a idéia do “liberte-se” transforma-se em “o dinheiro é que nos liberta”. O verso seguinte releva o dinheiro como alavanca universal: “Dinheiro, é combustível”... Assim sendo, como o mundo é fomentado pelo dinheiro, devemos agarrá-lo “com ambas as mãos” – pouco importando como... A chave para entendermos a dimensão da ganância e egoísmo – e as possíveis ilicitudes dos ganhos – está na recomendação seguinte: “esconda o dinheiro”. Assim, será possível todos os ícones da luxúria: carro novo, caviar, casas cinematográficas, cruzeiros dos sonhos etc. Por fim, vem a idéia da compra de um time de futebol. Neste desfecho da estrofe entramos numa lacuna interpretativa. Não se sabe ao certo qual o propósito de Waters ao fazer a referência ao futebol, mas poderíamos especular algumas idéias que, por fim, convergem para a própria luxúria. Em primeiro lugar, já naquela época (início dos anos setenta) o esporte inventado pelos ingleses já se configurava como uma paixão mundial ao mesmo tempo dispendiosa e (aparentemente) supérflua – já que o futebol, direta ou indiretamente, sempre movimentou fortunas. Não bastasse isso, o futebol é reconhecidamente uma das maiores fontes de lavagem de dinheiro. Se é verdade que tal realidade é algo bem antigo para o direito tributário, também é verdade que a lavagem de dinheiro no futebol é algo relativamente novo para a mídia. Seria, pois, forçar demais a barra dizer que Waters tivesse fazendo uma referência também à lavagem de dinheiro... Mas nunca é demais lembrar: estamos tratando de Pink Floyd...

Na segunda estrofe, vem outro recado: “Dinheiro, afaste-se”. Tal qual na primeira estrofe, quando começamos a imaginar que a letra sugere que “devemos nos afastar do dinheiro”, o verso seguinte nos dá uma idéia totalmente diferente: “afaste-se da ‘minha’ grana, seu peão”. Neste caso, a idéia lembra-nos a teoria marxista da mais-valia; da exploração da força de trabalho que suscita a lógica que, para a existência de um milionário, é necessária a existência do miserável. Assim, para a possibilidade do carro zero, caviar e os luxos citados na primeira estrofe é necessário que se tenha por perto um ‘jack’ (trabalhador de baixa renda; um ‘peão’ no nosso linguajar) com seu “trabalho honesto, sofrido e mal remunerado” – e desde que este ‘jack’ se mantenha longe da grana.
Os quatro últimos versos da estrofe mostram que o dinheiro, enfim, é sinônimo de sucesso exatamente porque é segregante. Assim, o sucesso, certamente, nunca chegará a quem “rala” para ganhar uns poucos trocados. O sucesso, isto sim, só chega para aqueles que experimentam o conforto das áreas VIP; que viajam de primeira classe. Uma vez que é imprescindível aos gananciosos marcar cada vez mais sua posição social, ou, sua superioridade (financeira), por que então não comprar logo um avião particular?

Na terceira estrofe, temos: “Dinheiro, é um crime”. E repete-se a lógica contraditória das outras duas estrofes, só que desta vez imbuído por um cinismo: quando passamos para o verso seguinte, constatamos que o crime, na verdade, é não repartir o dinheiro com justiça; e uma vez repartido, crime também é meter a mão na grana alheia. Este desfecho reproduz claramente o cinismo do patronato: “é preciso repartir o bolo (justiça social), mas desde que não metam a mão no meu naco (fortuna)”. Ou seja: nesta lógica, nunca haverá justiça social. E os dois últimos versos dizem exatamente isto: “eles” (o patronato) dizem que o dinheiro é a fonte de toda a desgraça do mundo; mas se você for pedir para “eles” um aumento, é claro que eles não vão te dar. Tal lógica é bem sintetizada num utópico dito popular: “se dinheiro não traz felicidade, dê-me o seu e seja feliz”.